sexta-feira, 9 de julho de 2021

Good Night, and Good Luck

Donald Harrison jazz
Por 14 anos o Guia de Jazz esteve no ar com a missão de aproximar os internautas ao jazz. Um dos tópicos mais visitados era o de dicas de CDs, no qual dezenas de discos eram indicados e resenhados por mim. Infelizmente, com o fim do site em setembro de 2015, todo esse acervo foi "perdido".

Mas não totalmente perdido. Além do livro Jazz ao Seu Alcance - que traz todo o conteúdo do guia e muito mais - você encontrará quinzenalmente neste blog algumas dicas de CDs publicadas anteriormente no site Guia de Jazz.

Sempre que possível, ao final de cada resenha você encontrará vídeos do Youtube com algumas faixas do disco indicado para escutar. Boa leitura e audição. Veja outras dicas de CDs aqui

Good Night, and Good Luck (2005)

Poucas cantoras que apareceram nos últimos 20 anos podem e devem ser lembradas. Ao contrário dos cantores, que desde a morte de Frank Sinatra continua à procura de uma nova voz, o universo feminino no jazz tem se mostrado ativo e dezenas de novas cantoras apareceram. Mas o ouvinte deve ter cuidado com o que vai consumir e tentar separar o joio do trigo.

Cantoras como Cassandra Wilson, Diana Krall, Dee Dee Brigewater e Diane Schuur são alguns dos nomes que podem ser degustados sem medo ou contra indicação. Neste seleto grupo de vozes femininas também está Dianne Reeves, estrela da gravadora Blue Note e vencedoras de quatro prêmios Grammy.

No início de carreira, Dianne flertou com a música pop e o rhythm and blues, mas não conseguiu espaço e aos poucos foi se aproximando do jazz. Com um timbre de voz semelhante ao da cantora Sarah Vaughan, as comparações foram inevitáveis. Contratada pela Blue Note no início da década de 90, Dianne já gravou uma dezena de álbuns e alcançou o merecido status de grande intérprete do jazz.

Seu grande momento foi a participação no filme Boa noite e boa sorte (Good night, and good luck), de 2005. Dirigido pelo ator George Clooney, o longa conta a história real do jornalista Edward Murrow e sua luta “contra” a cruzada anticomunista do senador republicano Joseph McCarthy, que aconteceu no início dos anos 50. Dianne aparece em várias cenas interpretando uma cantora de jazz. Além de sua valiosa “interpretação” de cantora, ela também brilha na trilha sonora.
Dianne Reeves canta durante as filmagens do longa dirigido por Clooney


Todas as músicas foram escolhidas por Clooney e a gravação que você escuta no CD foi basicamente toda gravada no set de filmagem, no momento em que o diretor filmava as cenas da cantora e dos músicos, entre eles o saxofonista Matt Catingub e o pianista Peter Martin. A composição sax, bateria e piano deu um clima tranqüilo ao disco e o acompanhamento ideal para as interpretações de Dianne.

Logo de saída, o clássico “Straighten Up and Fly Right” já arrebata o ouvinte. Na sequência vêm “I’ve Got My Eyes On You”, “Gotta Be This Or That” e a deliciosa “Too Close for Confort”. As baladas dominam o álbum em temas como “Who’s Minding the Store?”, “Pretend”, “Solitude” e “How High the Moon”. Outros destaques são as releituras de “One for My Baby”, “There’ll Be Another Spring” e “TV Is the Thing This Year”, famosa na voz de Dinah Washington.









quarta-feira, 16 de junho de 2021

Cinco décadas de Ivan Lins


Patrimônio da música popular brasileira. Essa é uma bela alcunha para o compositor, arranjador, pianista e cantor Ivan Lins. O veterano música carioca completou 76 anos em junho de 2021. São cinco décadas de carreira e uma coleção de canções inesqucíveis, entre elas, "Madalena", "Começar de Novo", Dinorah, Dinorah", "Vitoriosa", "Depende de Nós" e "Abre Alas".

A parceira com o letrista Vitor Martins é responsável pela grandiosidade e genialidade da obra universal de Ivan Lins. Ao lado de Tom Jobim, o cantor é um dos brasileiros mais gravados no exterior. Sua canções, em especial "Começar de Novo", que lá fora ganhou o nome de "The Island", foram gravadas por dezenas de artistas, em especial do jazz.


Nomes como Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Diana Krall, Barbra Streisand, Quincy Jones, George Benson, Lee Ritenour e Terence Blanchard levaram as composições de Ivan Lins para os quatro cantos do planeta.

Em 2000, o disco Love Affair: Music of Ivan Lins trazia músicos como Dianne Reeves, Sting, Chaka Khan, Groover Washington Jr e Freddy Cole interpretando composições de Ivan. A internacionalização de sua música o levou aos principais festivais de jazz na Europa e nos Estados Unidos. A parceria com o produtor Quincy Jones rendeu dois Grammys, um com a versão de "Dinorah Dinorah", interpretada pelo cantor e guitarrista George Benson, e outra com o gaitista Toots Thielemans, com a música "Velas", versão instrumental da canção "Velas Içadas". Jones venceu na categoria melhor arranjo em 1981 e 1982.

No Brasil, a carreira de Ivan "começou" com um empurrãozinho da cantora Elis Regina, que em 1970 grava "Madalena". Daí em diante, a obra de Ivan Lins foi crescendo e ganhando vida própria. A popularidade do músico cresce ainda mais com a gravação de "Começar de Novo" na voz da cantora Simone. A música foi escrita especialmente para o seriado Malu Mulher, da TV Globo, estrelado por Regina Duarte e Denis Carvalho, em 1979.

Em 2004, Simone lançou o disco Baiana da Gema, todo dedicado à obra do cantor. Ivan também teve canções incluídas em várias trilhas sonoras de novelas, entre elas, Roque Santeiro, Mulheres de Areia, História de Amor", Éramos Seis, Sol de Verão e Pantanal. Quem também lançou discos exclusivamente com canções de Ivan Lins foram o trompetista Terence Blanchard (The Heart Speaks) e o duo formado pelo baixista Arismar do Espírito Santo e o guitarrista Leonardo Amuedo (Essa Maré).

Outro projeto importante do cantor é "Viva Noel", caixa com 3 CDs destacando a obra do sambista Noel Rosa, lançada em 1997, para lembrar, na época, os 60 anos da morte do compositor, que morreu aos 26 anos, de tuberculose, em 1937. Noel deixou cerca de 250 composições.

Na última década, Ivan Lins diminuiu bastante sua produção musical, mas isso não foi o suficiente para sua obra ser esquecida.

Em 2018, ao lado do parceiro de quatro décadas, o arranjador Gilson Peranzzetta, lançou o disco Cumplicidade, que traz grandes sucessos do cantor no formato de duo, com teclados (Lins) e piano acústico (Perranzeta). No cardápio estão "Ai, Ai, Ai, Ai", "Love Dance", "Setembro", "Madalena", "Lembra de Mim", "Temporal", entre outras.

Você pode saber mais sobre o cantor ouvindo o programa Olhar Brasileiro, da Rádio USP, de 2020.

Acervo


Em 2017, o cantor doou para o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP parte do seu acervo pessoal, que inclui músicas que não chegaram a ser gravadas, fotos, desenhos, cartas, reportagens, documentos pessoais, cadernos de estudo, partituras, cassetes e vídeos em VHS. Ivan também prepara uma autobiografia. O cantor é um dos poucos músicos brasileiros com mais de 70 anos que ainda não tem uma biografia ou autobiografia sobre sua vida e carreira.

Entrevistas na rede

Não deixe de assitir a entrevista do cantor ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, em maio de 2021. Durante o papo com o jornalista Pedro Bial, Ivan conta a divertida história sobre a quase inclusão da música "Começar de Novo" no disco Thriller, do cantor Michael Jackson em 1982, álbum produzido por Quincy Jones e o segundo disco mais vendido na história da música. Veja também as entrevistas do cantor para os canais Alta Fidelidade e "Um Café Lá em Casa".

domingo, 16 de maio de 2021

Douglas e Lovano têm diálogo franco em Other Worlds

A dobradinha sax e trompete já rendeu grandes encontros na história do jazz. Como não lembrar de Stan Getz e Chet Baker, de Lee Morgan e Joe Henderson, de Terence Blanchard e Donald Harrison, de Michael Brecker e Randy Brecker, de Charlie Parker e Dizzy Gillespie, de Miles Davis e John Coltrane, de Miles e Wayne Shorter?

A conversa clara e improvisada entre esses dois instrumentos dá liga e traz ao ouvinte uma experiência marcante e, muitas vezes, libertadora. Não é à toa que sax e trompete são lembrados por grande parte do público como os “sons do jazz”.

Pois bem, agora, temos um novo disco com a configuração sax e trompete, desta vez estrelado por Joe Lovano e Dave Douglas, que repetem a parceria com o álbum Other Worlds, sob o nome de Sound Prints. O quinteto conta ainda com Joey Baron (bateria), Linda May Han Oh (baixo) e Lawrence Fields (piano). Na foto acima estão Lovano, Baron, Oh, Fields e Douglas.

Assim como no primeiro disco (Scandal), a influência de Wayne Shorter é palpável. A formação do Sound Prints oferece ao ouvinte mais experiente a lembrança do quinteto de Miles Davis, com Shorter no sax, e os discos da carreira solo de Wayne, também da década de 1960, com Freddie Hubbard no trompete.

O quinteto reunido: Lovano, Baron, Oh, Fields e Douglas

O tema “The Flight", com quase 9 minutos de duração, é uma boa amostra da força do quinteto. O duelo dos metais de Lovano e Douglas está em temperatura máxima. Para ouvintes menos tarimbados, pode parecer um pouco confuso, é verdade, mas como acontece em uma boa “briga” de improviso, no fim todas as pontas se encontram e o som flui sem que você precise compreender exatamente o que acabou de ouvir.

E assim o disco caminha com outros temas encorpados como “Life on Earth”, “ Pythagoras”, “Space Exploration” e “ Antiquity to Outer Space”, todos temas com mais de 7 minutos de duração.

Destaque também para as belas e intimistas “The Transcendentalists”, com Douglas usando a surdina e soando explicitamente com Miles Davis, e “Sky Miles”, com espaço generoso para os solos de Fields e Oh.

Em tempo de incertezas e negacionismo, é sempre bom ouvir o jazz secular nos dedos de grandes músicos como Lovano e Douglas. Eles nos mostram que improvisar faz parte da essência do jazz, mas que em outras searas, é melhor ouvir o que a ciência tem a nos dizer, pois não devemos arriscar como o jazzista faz com autoridade.