sexta-feira, 4 de março de 2022

Kenny G volta em documentário e com álbum de inéditas


Ele foi onipresente por dez anos, entre as décadas de 1980 e 1990. Sua música tocava em todos os lugares, especialmente em consultórios médicos, elevadores e salas de espera, em geral. Para muitos, ele foi, é e sempre será a versão de sopro do então rei da música ambiente, o pianista Richard Clayderman, que nunca foi levado a sério pela crítica especializada, assim como o saxofonista norte-americano Kenny G.

Mas o que mais marcou sua carreira é o poder que sua música tem de ser amada por milhares de pessoas e, ao mesmo tempo e na mesma intensidade, ser odiada por outros milhares. É claro que isso não acontece apenas com ele, os já citados Clayderman e Conniff, incluindo Andre Rieu e Yanni, também sofrem deste mesmo mal.

Agora, mais de duas décadas após seu sucesso arrebatador, temos a oportunidade de tentar "entender" esses sentimentos tão distintos que fazem parte de todos nós. Lançado em dezembro de 2021, no canal HBO, o documentário Listening to Kenny G mostra como essas duas emoções atingem o seu alvo, neste caso, o saxofonista.

Dirigido pela documentarista norte-americana Penny Lane, o filme revela que a principal preocupação do músico é tocar seu instrumento e compor canções com a mais alta qualidade possível, ou seja, a prioridade não é vender discos. Durante as entrevistas, Kenny G, do alto da sua experiência de 64 anos de vida, conversa abertamente sobre a hostilidade que o acompanha por quase quatro décadas.

Além das percepções do saxofonista, o documentário traz entrevistas com críticos de música que apontam os motivos que levam os ouvintes a esses dois extremos. O filme não aponta o dedo para ninguém e, muito menos, dá um veredito sobre o que leva uma pessoa odiar um determinado artista. Por fim, o espectador mais atento vai perceber que o que importa de verdade é a música e o músico que a executa. É disso que se trata.

Kenny G será lembrado para sempre, para o bem ou para o mal, assim como acontece com os grandes mitos do jazz, como Miles Davis, Duke Ellington e Charlie Parker. Mas a importância de sua música será mensurada por quem realmente importa, ou seja, os ouvintes. E na "disputa" entre o amor e o ódio, no caso do saxofonista, certamente a primeira opção sairá vencedora, pois todos sabemos que raiva, inveja e ódio nunca trazem coisas boas.

Apesar da abordagem bem fundamentada, o documentário poderia ter explorado o fato de músicos com um perfil parecido com o de Kenny G não terem sofrido o mesmo ataque. Bons exemplos disso são os saxofonistas Grove Washigton Jr, David Sanborn e George Howard. Os três apareceram antes do estrelato de Kenny G, com composições "parecidas" com as suas, e nunca sofreram o mesmo tipo de hostilidade. Pelo contrário, o disco Winelight (1980), de Washington Jr., considerado o ponta pé inicial do que mais tarde seria rotulado de smooth jazz, recebeu ótimas críticas e tem o seu lugar na história da música instrumental.

Para quem deseja se aprofundar nesta seara, confira o artigo escrito, em inglês, pelo pianista e compositor John Halle. Ele destaca aspectos interessantes sobre a inveja e como odiar a música de Kenny G pode ser um "passaporte" para ser reconhecido como alguém de gosto apurado. Halle também faz uma paralelo pertinente sobre a música do saxofonista com as "notas erradas" de Eric Dolphy e o minimalismo do compositor Steve Reich, além de lembrar da agressão gratuita proferida pelo guitarrista Pat Metheny quando perguntado sobre a música de Kenny G.

NEW STANDARDS

Após um hiato de seis anos, o saxofonista lança um novo disco, chamado New Standards. O albúm foi lançado simultaneamente com o documentário. Para quem é fã de carteirinha, o disco pode parecer menos Kenny G que os anteriores. Mas a essência do seu jeito de tocar está preservada. Outro trunfo que sempre o acompanhou são as composições próprias. O disco traz 11 músicas inéditas do saxofonista.

Desta vez, segundo o músico declarou em entrevistas recentes, ele se inspirou nas baladas jazz dos anos 1950 e 1960, em especial no saxofonista Stan Getz, por quem o músico tem grande admiração. A música "Legacy" é um tributo a Getz e foi criada a partir de uma de suas composições. A técnica usada pelo arranjador Jochem van der Saag utiliza um programa que pega notas já compostas por Getz e, a partir delas, cria uma melodia que nunca foi tocada por Getz.













terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Johnny Griffin - A Blowin' Session

Johnny Griffin - A Blowin' Session
Por 14 anos o Guia de Jazz esteve no ar com a missão de aproximar os internautas ao jazz. Um dos tópicos mais visitados era o de dicas de CDs, no qual dezenas de discos eram indicados e resenhados. Com o fim do site em setembro de 2015, todo esse acervo foi "perdido".

Mas não totalmente perdido. Além do livro Jazz ao Seu Alcance - que traz todo o conteúdo do guia e muito mais - você encontrará neste blog algumas dicas de CDs publicadas no extinto Guia de Jazz.

Ao final de cada resenha você encontrará vídeos do YouTube com algumas faixas do disco indicado para escutar. Boa leitura e audição. Veja outras dicas de CDs aqui


Johnny Griffin - A Blowin' Session (1957)


Parcerias entre grandes músicos de jazz são muito comuns e saudáveis. É impossível esquecer duetos entre John Coltrane e Miles Davis, Charlie Parker e Dizzy Gillespie e Gerry Mulligan e Chet Baker. Nesses três exemplos, cada músico tocava um instrumento distinto, neste caso, sax e trompete, respectivamente. Apesar de ser mais comum colaborações entre instrumentos diferentes, o jazz também foi testemunha de duetos com o mesmo instrumento.

Entre os saxofonistas, duetos clássicos reuniram mestres como Al Cohn e Zoot Sims, Gene Ammons e Sonny Stitt, Lee Konitz e Warne Marsh, Dexter Gordon e Wardell Gray e, mais recentemente, Eric Alexander e Vincent Herring. A história das parcerias entre saxofonistas teve seu momento máximo quando os hardboppers Johnny Griffin, Hank Mobley e John Coltrane se encontraram e gravaram o disco A Blowin’ Session, em 1957.

Originalmente o disco seria um dueto entre Griffin e Mobley. Mas o destino achou isso “pouco” e acabou colocando Coltrane na jogada. Segundo o próprio Griffin, ele e outros músicos estavam esperando uma carona pra ir ao estúdio de Van Gelder, em Nova Jersey, quando avistaram Coltrane do outro lado da rua. Pronto. Oresto é história.

Ao lado de Mobley, Coltrane e Griffin, o álbum ainda traz os “coadjuvantes” Art Blakey (bateria), Wynton Kelly (piano) e Paul Chambers (baixo) e um “tal” de Lee Morgan (trompete). É preciso dizer mais alguma coisa? No repertório, “apenas” quatro músicas, com 10 minutos de duração cada uma.

O disco abre com o clássico “The Way You Look Tonight”, de Jerome Kern. Nesta música, Griffin toca um dos solos mais rápidos da história do saxofone. É quase impossível acreditar que alguém pode tocar assim. Ainda nesta faixa, Morgan e Blakey também mostram suas armas.
Em “Ball Bearing”, Coltrane aparece no primeiro solo, seguido de Morgan, Griffin, Mobley e Kelly.

Em outra melodia de Kern, “All the Things You Are”, as diferenças entre os três ficam evidentes. É fácil perceber o toque veloz de Griffin, a inquietude de Coltrane e a delicadeza de Mobley. Destaque ainda para o solo de Chambers. Para terminar, “Smoke Stack” mostra mais uma vez solos de todos os músicos, com destaque para o trompete de Morgan.

Em 1999, pela coleção Rudy Van Gelder, o disco foi relançado com uma faixa a mais, uma gravação alternativa de “Smoke Stack”. Para quem gostar desta trinca de saxes, procure também os discos da série Saxophone Summit, lançados pela gravadora Telarc. O primeiro CD, Gathering Of Spirits (2004), traz Joe Lovano, David Liebman e Michael Bracker. Já o segundo álbum, Seraphic Light (2008), Brecker, que morreu em 2007, foi substituído por Ravi Coltrane.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

DownBeat aponta os melhores álbuns de 2021


A revista DownBeat publica anualmente, em janeiro, um apanhado sobre os CDs mais bem cotados de todas as edições do ano anterior. É uma ótima oportunidade para encontrar grandes discos que, por vários motivos, passaram desapercebidos.

No topo da lista, com a cotação de cinco estrelas, apenas sete discos conquistaram plenamente os críticos da revista, entre centenas de discos resenhas nas 12 edições de 2021.

São eles: Django Bates (Tenacity), Veronica Swift (This Bitter Earth), Jim Snidero (Live At The Deer Head Inn), Isaiah Collier & The Chosen Few (Cosmic Transitions), Wollny/Parisien/Lefebre/Lillinger (XXX), Kenny Garrett (Sounds From The Ancestors) e Theo Croker (Blk2life//A Future Past).

A revista também deu cinco estrelas para o disco Live at the Berlin - Philharmonic 1977, do pianista Hal Galper ao lado do seu quinteto, formado por Randy Brecker (trompete), Michael Brecker (sax), Wayne Dockert (baixo) e Bob Moses (bateria). Também estão na lista na categoria histórico, ou seja, é recém-lançamento, mas não é "novo", Louis Armstrong (The Complete Louis Armstrong Columbia And RCA Victor Sessions 1946-1966) e Keith Jarrett (Sun Bear Concerts)

A edição traz outras dezenas de títulos divididos em duas cotações: quatro estrelas e meia e quatro estrelas. O Brasil aparece com os pianistas Eliane Elias (Mirror Mirror), Amaro Freitas (Sankofa) e o saxofonista Ivo Perelman (The Garden Of Jewels). Destaque também para o projeto Jazz is Dead, dos músicos Adrian Younge e Ali Shaheed. Desta vez, o músico convidado é o veterano pianista João Donato. Em 2020, a dupla gravou com Marcos Valle.

A relação também destaca, entre outros, discos de Jazzmeia Horn, Nubya Garcia, Makaya McCraven, Patricia Barber, Charles Lloyd, Somi, Joe Lovano, Jason Moran, Keith Jarrett, Arturo O'Farrill, Helen Sung e Nicholas Payton

É interessante notar que entre os sete que receberam nota máxima, estão quatro álbuns com um forte viés contemporâneo. Destaque para o supergrupo formado pelo pianista alemão Michael Wollny, o baixista Tim Lefebrve, o saxofonista Émile Parisien e o baterista Christian Lillinger. O som minimalista está muito bem acomodado na inquieta gravadora alemã ACT.

Quem também "usa" o jazz para expressar sua inquietute musical é o trompetista Theo Crocker, com o belíssimo BLK2LIFE//A FUTURE PAST, no qual mistura com propriedade soul, rap, jazz, reggae, dub e R&B. Uma viagem sonora que atinge em cheio as novas gerações.

Os outros dois representantes deste seleto grupo são o pianista britânico Django Bates e o saxofonista norte-americano Isaiah Collier. Bates aproveitou o centenário do saxofonista Charlie Parker, em 2020, para "reinventar" temas do repertório de Parker, tudo isso acompanhado da Swedish Norrbotten Big Band. O resultado é "perturbador".
Theo Crocker traz um disco cheio de influências do R&B, rap e soul


Já o jovem Collier faz uma homenagem ao disco A Love Supreme, de John Coltrane. Não, você não ouvirá temas de Coltrane, mas Collier traz a influência do mitológico disco em seu poderoso álbum, uma viagem sonora sem fronteiras. Os fãs do saxofonitsa Kamasi Washington vão flutuar com o som Collier.

Ainda sobre os Top 7, estão os veteranos saxofonistas Jim Snidero e Kenny Garrett e a cantora revelação Veronica Swift, que em novembro de 2020 estampou a capa da Downbeat em uma reportagem sobre as apostas da revista de quem tinha potencial para se destacar entre dezenas de músicos que aparecem anualmente no cenário do jazz.

Por fim, fica aqui um pequena provocação. Como entender os critérios para apontar que esse ou aquele disco é brilhante ou não? A dúvida acontece ao percebemos que nenhum dos sete discos que receberam cinco estrelas da revista Downbeat foi indicado para o Grammy, que divulgou a lista completa dos indicados em novembro de 2021. Será que foi por falta de espaço, já que o Grammy aponta apenas cinco indicados em cada categoria?