Ele foi onipresente por dez anos, entre as décadas de 1980 e 1990. Sua música tocava em todos os lugares, especialmente em consultórios médicos, elevadores e salas de espera, em geral. Para muitos, ele foi, é e sempre será a versão de sopro do então rei da música ambiente, o pianista Richard Clayderman, que nunca foi levado a sério pela crítica especializada, assim como o saxofonista norte-americano Kenny G.
Mas o que mais marcou sua carreira é o poder que sua música tem de ser amada por milhares de pessoas e, ao mesmo tempo e na mesma intensidade, ser odiada por outros milhares. É claro que isso não acontece apenas com ele, os já citados Clayderman e Conniff, incluindo Andre Rieu e Yanni, também sofrem deste mesmo mal.
Agora, mais de duas décadas após seu sucesso arrebatador, temos a oportunidade de tentar "entender" esses sentimentos tão distintos que fazem parte de todos nós. Lançado em dezembro de 2021, no canal HBO, o documentário Listening to Kenny G mostra como essas duas emoções atingem o seu alvo, neste caso, o saxofonista.
Dirigido pela documentarista norte-americana Penny Lane, o filme revela que a principal preocupação do músico é tocar seu instrumento e compor canções com a mais alta qualidade possível, ou seja, a prioridade não é vender discos. Durante as entrevistas, Kenny G, do alto da sua experiência de 64 anos de vida, conversa abertamente sobre a hostilidade que o acompanha por quase quatro décadas.
Além das percepções do saxofonista, o documentário traz entrevistas com críticos de música que apontam os motivos que levam os ouvintes a esses dois extremos. O filme não aponta o dedo para ninguém e, muito menos, dá um veredito sobre o que leva uma pessoa odiar um determinado artista. Por fim, o espectador mais atento vai perceber que o que importa de verdade é a música e o músico que a executa. É disso que se trata.
Kenny G será lembrado para sempre, para o bem ou para o mal, assim como acontece com os grandes mitos do jazz, como Miles Davis, Duke Ellington e Charlie Parker. Mas a importância de sua música será mensurada por quem realmente importa, ou seja, os ouvintes. E na "disputa" entre o amor e o ódio, no caso do saxofonista, certamente a primeira opção sairá vencedora, pois todos sabemos que raiva, inveja e ódio nunca trazem coisas boas.
Apesar da abordagem bem fundamentada, o documentário poderia ter explorado o fato de músicos com um perfil parecido com o de Kenny G não terem sofrido o mesmo ataque. Bons exemplos disso são os saxofonistas Grove Washigton Jr, David Sanborn e George Howard. Os três apareceram antes do estrelato de Kenny G, com composições "parecidas" com as suas, e nunca sofreram o mesmo tipo de hostilidade. Pelo contrário, o disco Winelight (1980), de Washington Jr., considerado o ponta pé inicial do que mais tarde seria rotulado de smooth jazz, recebeu ótimas críticas e tem o seu lugar na história da música instrumental.
Para quem deseja se aprofundar nesta seara, confira o artigo escrito, em inglês, pelo pianista e compositor John Halle. Ele destaca aspectos interessantes sobre a inveja e como odiar a música de Kenny G pode ser um "passaporte" para ser reconhecido como alguém de gosto apurado. Halle também faz uma paralelo pertinente sobre a música do saxofonista com as "notas erradas" de Eric Dolphy e o minimalismo do compositor Steve Reich, além de lembrar da agressão gratuita proferida pelo guitarrista Pat Metheny quando perguntado sobre a música de Kenny G.
NEW STANDARDS
Após um hiato de seis anos, o saxofonista lança um novo disco, chamado New Standards. O albúm foi lançado simultaneamente com o documentário. Para quem é fã de carteirinha, o disco pode parecer menos Kenny G que os anteriores. Mas a essência do seu jeito de tocar está preservada. Outro trunfo que sempre o acompanhou são as composições próprias. O disco traz 11 músicas inéditas do saxofonista.
Desta vez, segundo o músico declarou em entrevistas recentes, ele se inspirou nas baladas jazz dos anos 1950 e 1960, em especial no saxofonista Stan Getz, por quem o músico tem grande admiração. A música "Legacy" é um tributo a Getz e foi criada a partir de uma de suas composições. A técnica usada pelo arranjador Jochem van der Saag utiliza um programa que pega notas já compostas por Getz e, a partir delas, cria uma melodia que nunca foi tocada por Getz.