quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Barron e Miller duelam em The Art of Piano

O encontro de dois gigantes do jazz sempre termina em coisa boa. A história está cheia de exemplos que comprovam isso. Basta lembrar da parceria Charlie Parker & Dizzy Gillespie, John Coltrane & Miles Davis, Ella Fitzgerald & Joe Pass e Herbie Hancock & Wayne Shorter.

Todos esses encontros aconteceram com instrumentos distintos, mas também temos belos discos de parcerias com instrumentos iguais, entre eles, os saxofonistas Coleman Hawkins & Lester Young, Lee Konitz & Warne Marsh, Eric Alexander & Vicent Herring, os guitarristas John Scofield & Pat Metheny e os pianistas Herbie Hancock & Chick Corea.

De olho nessa riquíssima história, a gravadora Sunnyside Records lança o álbum triplo The Art of Piano Duo - Live, com os pianistas Kenny Barron & Mulgrew Miller. Os discos trazem três shows distintos. Um gravado em 2005, em Marciac, na França, e dois registrados na Suíça, ambos em 2011, nas cidade de Genebra e Zurique. Sozinhos no palco, os dois pianistas mostram a fina arte do improviso. Em entrevista para divulgar o disco, Barron comentou como funciona a parceria com Miller.

"Nós nunca conversamos sobre a música. Nós nos sentávamos e determinávamos quem iria começar e pronto. Se eu soubesse [a música], apenas acenaria com a cabeça. Se eu não soubesse, balançaria a cabeça e ele tentaria outra. Nós apenas deixamos isso acontecer. Isso foi divertido, imaginando para onde poderíamos ir. Na maioria das vezes funcionava".

Com um repertório eclético, que passa por Benny Carter ("When Lights Are Low"), Rogers & Hart ("It Never Entered My Mind"), Jimmy Van Heusen ("It Could Happen To You"), Charlie Parker ("Yardbird Suite"), Duke Ellington ("I Got It Bad And That Ain't Good") e Thelonious Monk ("Blue Monk"), os experientes pianistas mostram a fina arte do improviso e muito entrosamento.

Mas para o ouvinte menos "treinado", em alguns momentos, o disco vai parecer um pouco confuso. É claro que os solos e improvisos estão garantidos, por outro lado, o excesso de notas poderá distrair o ouvinte e tornar a audição menos prazerosa. Mas nada que comprometa a essência do disco, com dois mestres do instrumento. O disco também traz, além dos duetos, temas solos, entre eles, "Song For Abdullah", com Barron, e "I Got It Bad And That Ain't Good", com Miller.

Miller faleceu em 2013, aos 57 anos, vítima de um derrame cerebral. Durante sua carreira, tocou com a orquestra de Duke Ellington, comandada por Mercer Ellington, filho de Duke, a cantora Betty Carter), o trompetista Woody Shaw e o baterista Art Blakey. Conheça também os discos Live at Yoshi Volume 1 e 2, com Miller acompanhado por Karriem Riggins (bateria) e Derrick Hodge (baixo), gravado ao vivo no clube californiano em 2003.



sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Bobby Scott - Slowly

Por 14 anos o Guia de Jazz esteve no ar com a missão de aproximar os internautas ao jazz. Um dos tópicos mais visitados era o de dicas de CDs, no qual dezenas de discos eram indicados e resenhados por mim.

Infelizmente, com o fim do site em setembro de 2015, todo esse acervo foi "perdido". Mas não totalmente perdido.

Além do livro Jazz ao Seu Alcance, que traz todo o conteúdo do guia, com dicas de CDs, DVDs, livros, entrevistas e muito mais, você encontrará quinzenalmente neste blog algumas dicas de CDs publicadas anteriormente no site Guia de Jazz.

Sempre que possível, ao final de cada resenha você encontrará vídeos do Youtube com algumas faixas do disco indicado para escutar. Boa leitura e audição. Veja outras dicas de CDs aqui

Bobby Scott - Slowly (1991)


Não adianta tentar fazer tudo ao mesmo tempo agora. A vida é curta e sabemos disso. Por mais que você dure 80 ou 90 anos, não há tempo suficiente para experimentar e descobrir tudo aquilo que a vida pode proporcionar. Na era da informação, que vai muito além do rádio, jornal, TV e livros, está situação piorou ainda mais e o ser humano percebeu que uma única vida é pouca.

É claro que não devemos encarar isto como um problema, pelo contrário, esta limitação natural da vida deve ser usada ao nosso favor, ou seja, como há pouco tempo devemos filtrar e selecionar da melhor maneira possível o que o cinema, teatro, literatura, TV e música têm a oferecer. Em resumo, seja criterioso.

Para ilustrar isto, vamos falar do pianista, compositor, cantor, produtor e arranjador norte-americano Bobby Scott, que morreu aos 63 anos, vítima de câncer, em 1990. A questão aqui não é porque Scott morreu prematuramente, o que não deixa de ser verdade, mas sim porque provavelmente 99% das pessoas vão passar por esta vida – um tanto curta sem ao menos escutar o voz aveludada e o toque preciso do piano deste grande músico.

Scott começou muito jovem e aos 11 anos já era profissional. Tocou com músicos de respeito como Louis Prima, Tony Scott e Gene Krupa. Com o musical A Taste Of Honey, ele levou um Grammy em 1962 e produziu artistas como Marvin Gaye e Aretha Franklin. Já no fim da vida, Scott voltou a gravar como líder e lançou dois discos For Sentimental Reasons e Slowly, álbum lançado após sua morte.

Apesar de póstumo, Slowly não é um disco triste, talvez melancólico, mas não soturno ou triste. A voz de Scott já não tem a mesma força, mas continua macia e afinada. Isto fica claro na faixa-título e em “Long About Now”, acompanhada apenas do piano, que brilha solo também em “This Is My Country” e na clássica “When I Fall In Love”.

Além de Scott, o disco traz o baixista Steve LaSpina, o baterista Paul Jost e os guitarristas Bucky Pizzarelli e Vinnie Bell. O quarteto aparece na insinuante “You Turned the Tables On Me”, na suingada “Hi Lily Hi Lo”, na deliciosa “Am I Blue” e em “Music Maestro Please”, com um solo arrasador de Scott.

A última dica, que não é de um CD, é que o tempo passa para todos nós. Não se preocupe com isto, apenas viva da melhor maneira possível e aproveite ao máximo o que a vida tem para lhe oferecer. Vida longa e próspera para todos nós e que Bobby Scott descanse em paz.







sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Dan Morgenstern eleva a arte da crítica

O papel da crítica tem sempre dois lados: positiva ou negativa. A questão é saber se a única intenção do crítico é realmente usar seus conhecimentos para ajudar o leitor a decidir se consumirá aquele produto (livro, disco, filme, peça, TV, celular etc) ou se sua crítica tem o objetivo de apenas aniquilar a pretensão do desavisado e exposto consumidor.

Essa pequena linha tênue sempre haverá em uma crítica. Mas o que pode fazer o leitor decidir para qual lado ele seguirá é a idoneidade de quem a escreve.


Esse capital chamado confiança é algo cada vez mais difícil de encontrar na era das redes sociais. O leitor/consumidor é bombardeado por pseudos críticos e gurus dos mais distintos assuntos, todos eles com suas verdades absolutas. Mas no meio deste tiroteio, sempre haverá um benfeitor por quem o leitor poderá confiar sua atenção e encontrar uma crítica contundente e, acima de tudo, coerente com as convicções adquiridas pelo crítico ao longo de sua vida.

É neste pequeno rol de notáveis que está o crítico alemão, radicado nos Estados Unidos, Dan Morgenstern, diretor do Instituto dos Estudos de Jazz da Universidade de Rutgers, em Nova Jersey (EUA) e membro do National Endowment for the Arts Jazz Master. Em outubro deste ano, ele completa 90 anos.

Morgenstern (na foto com Quincy Jones e Lena Horne) se auto-intitula um "advogado do jazz", ou seja, alguém que procura esclarecer os caminhos do jazz e de seus protagonistas para um leitor ávido por informação e carente de embasamento. Em resumo, Morgenstern é um apaixonado por aquilo que faz e compartilha seu conhecimento sem pedir nada em retribuição.

Durante seis décadas, o crítico escreveu diversos livros, entre eles Living With Jazz, e ganhou sete prêmios Grammy na categoria liner notes, ou seja, aquele texto que você encontra no encarte do CD. Além disso, foi editor da revista Down Beat entre 1967 e 1973, escreveu para diversos jornais e lecionou sobre a história do jazz em diversas universidades dos Estados Unidos

Em uma entrevista ao jornalista Marc Myers, do The Wall Street Journal, o crítico resumiu com clareza o seu ofício. "Um dos meus grandes prazeres como escritor é alguém me dizer que algo que eu escrevi (um livro, um artigo, anotações) o expôs a um determinado jazzista. Recentemente, alguém me procurou e falou que leu um artigo sobre um disco de Dexter Gordon que eu escrevi para a revista Down Beat, e que isso foi importante para ele criar um vínculo com jazz desde então".

Para a sorte dos leitores mais atentos, Morgenstern não é um caso isolado. Nomes como Gary Giddins, Ashley Kahn e Nat Hentoff são reconhecidos como críticos preocupados com a crítica construtiva e com a disseminação do conhecimento em seu mais nobre objetivo: abrir a mente das pessoas e deixá-las decidir por conta própria o que desejam ouvir, comer, beber, comprar ou, simplesmente, não consumir nada que um "estranho" que se auto-denomina crítico tenta dizer se é bom ou ruim.

Abaixo você encontra uma entrevista (dividida em dois vídeos) concedida por Dan Morgenstern ao programa Tony Guida’s NY, em 2017. Na ocasião, o crítico falou sobre o centenário da primeira gravação de jazz, que aconteceu oficialmente em 1917, com a Original Dixieland Jazz Band, e outras particularidades sobre os músicos de jazz, com destaque para Ella Fitzgerald e Louis Armstrong. O último vídeo é um passeio guiado por Morgenstern no Instituto dos Estudos de Jazz da Universidade de Rutgers, em Nova Jersey (EUA). Os vídeos publicados no Youtube estão em inglês, mas é possível ativar a legenda em inglês.

Veja a seguir seis discos indicados pelo crítico:

Charlie Parker's Savoy and Dial
Count Basie: Complete Original American Decca Recordings
Duke Ellington: Never No Lament: The Blanton-Webster Band
The Complete Ella Fitzgerald and Louis Armstrong
Art Tatum: The Complete Pablo Group Masterpieces
Billie Holiday and Lester Young: A Musical Romance

Abaixo estão os títulos dos discos que Morgenstern ganhou o Grammy na categoria liner notes:

2008: The Complete Louis Armstrong Decca Sessions (1935-1946) (Louis Armstrong)
2005: If You Got to Ask, You Ain't Got It! (Fats Waller)
1993: Portrait of the Artist As a Young Man 1923-1934 (Louis Armstrong)
1989: Brownie: The Complete EmArcy Recording (Clifford Brown)
1980: Master of the Keyboard (Erroll Garner)
1975: The Changing Face of Harlem: The Savoy Sessions (various artists)
1973: The Hawk Flies (Coleman Hawkins)
1972: God Is In the House (Art Tatum)