domingo, 3 de abril de 2022

Wayne Shorter vira nome de rua em Newark


O saxofonista Wayne Shorter será homenageado no próximo dia 29 de abril por sua cidade natal Newark, que fica no Estado de Nova Jersey, nos Estados Unidos. O nome do músico vai substituir a atual rua Park Place.

O local também é a casa da rádio WBGO, uma das estações de jazz mais importantes da costa leste dos EUA. Após a inauguração, a Wayne Shorter Way vai se encontrar com a Sarah Vaughan Way. A cantora é outra jazzista nascida na cidade.


Shorter, de 88 anos, mora na costa oeste dos EUA e participará do evento via satélite. Nos últimos anos, sua saúde piorou e o músico deixou de participar de festivais, após 50 anos rodando o mundo. A mulher do músico é a brasileira Carolina, com quem está casado há quase 30 anos.

Wayne Shorter tem um retrospecto de respeito no mundo do jazz. Ele despontou no Jazz Messengers, do baterista Art Blakey, no início dos anos 60, logo depois foi convidado por Miles Davis para fazer parte de seu quinteto, que contava ainda com Herbie Hancock, Ron Carter e Tony Williams, entre 64 e 70.

No início do jazz fusion, Shorter criou, ao lado de Joe Zawinul e Miroslav Vitous, o Weather Report, que mais tarde teria a participação do baixista Jaco Pastorius. Desde então, o saxofonista tem trabalhado em discos solos e participado de outros projetos.
Shorter e o trio formado por Brian Blade, Danilo Perez e John Patitucci


Em 1975, Shorter lançou o disco Native Dancer ao lado do cantor Milton Nascimento. O álbum trazia várias composições de Milton, entre elas, "Ponta de Areia", "Tarde" e "Milagre dos Peixes". Participaram das gravações os brasileiros Wagner Tiso (teclados), Robertinho Silva (bateria) e Airto Moreira (percussão). O disco também conta com o pianista Herbie Hancock, velho conhecido do saxofonista.

Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o saxofonista disse que o disco "é importante porque mostra como aproximar duas visões da música sem que nenhuma delas seja submissa à outra. Nós não queríamos que Milton imitasse o jazz, e eu não conseguiria imitar o Milton. Conseguimos fazer algo muito complementar".

Durante a entrevista, o cantor falou de uma situação inusitada com o cantor do grupo Earth Wind and Fire, Maurice White. "Quase 10 anos depois do lançamento do disco, eu estava em Los Angeles e um cara na piscina me chamou. Fui ver o que era. Era o Maurice White, que disse que me chamou para me agradecer. Disse que a banda dele nasceu após ele ouvir as sessões de gravação do Native Dancer", lembrou Milton.
Placa com o nome do saxofonista é inaugurada em Nova Jersey


Em 2019, Shorter venceu seu último Grammy com o disco Emanon, álbum triplo no qual é acompanhado por Danilo Perez (piano), John Patitucci ( baixo) e Brian Blade (bateria). A Orpheus Chamber Orchestra também participa de algumas faixas. O saxofonista foi indicado 21 vezes e levou para casa 11 prêmios Grammy. O trio também acompanhou Shorter no disco Without a Net (2013). O tema "Orbits" ficou com o Grammy de melhor improvisão solo de jazz.

Antes de seu nome virar rua, o saxofonista recebeu outras três homenagens pelo conjunto da sua obra: NEA Jazz Masters Award (1998), the Grammy Lifetime achievement Award (2015) e o Polar Music Prize (2017).





quarta-feira, 30 de março de 2022

Flip Phillips - Swing Is The Thing

Greg Osby jazz
Por 14 anos o Guia de Jazz esteve no ar com a missão de aproximar os internautas ao jazz. Um dos tópicos mais visitados era o de dicas de CDs, no qual dezenas de discos eram indicados e resenhados. Com o fim do site em setembro de 2015, todo esse acervo foi "perdido".

Mas não totalmente perdido. Além do livro Jazz ao Seu Alcance - que traz todo o conteúdo do guia e muito mais - você encontrará neste blog algumas dicas de CDs publicadas no extinto Guia de Jazz.

Ao final de cada resenha você encontrará vídeos do YouTube com algumas faixas do disco indicado para escutar. Boa leitura e audição. Veja outras dicas de CDs aqui


Flip Phillips - Swing Is The Thing (2000)


Muitas vezes a longevidade é considerada um fardo para carregar. Isso acontece quando a pessoa não tem mais alegria de viver ou está doente e o que mais deseja é partir desta para uma melhor. Felizmente, para os fãs de jazz, esse não foi o caso do saxofonista norte-americano Flip Phillips, que morreu aos 85 anos, em 2001.

Um pouco antes de sua morte, Phillips, que foi descoberto por Woody Herman, na década de 40, gravou seu primeiro disco por uma grande gravadora, a Verve. Mais uma vez, o saxofonista deixou claro porque foi convocado por Norman Granz para fazer parte da turnê itinerante Jazz at the Philharmonic, entre 46 e 57. Seu toque continua elegante e preciso.

Além disso, o CD traz participações especiais de outras duas feras do sax tenor, o “jovem” James Carter e o craque Joe Lovano, isto sem falar do baixista Christian McBride, do pianista Benny Green, do guitarrista Howard Alden e do baterista Keith Washington.

O disco abre com o trio Phillips, Lovano e Carter no hard bop “The Mask of Zorro”. Outras duas colaborações dos saxofonistas estão em “Where or When”, com Carter, e “Flip the Wrip”, com Lovano, ambas são de tirar o fôlego do ouvinte. Um verdadeiro encontro de gerações e um desfile de improvisos.

O clima fica mais tranquilo em “In a Mellow Tone”, de Duke Ellington, com destaque para o baixo de McBride, “For All We Know”, na qual a influência de Ben Webster está evidente, e em “This is All I Ask”, duetos entre o sax de Phillips e a guitarra de Alden.

O piano de Green aparece na singela “Susan’s Dream” e a guitarra de Alden brilha na suingada “Exactly Like Us”, composta por Alden e Phillips. Para fechar, a faixa-título dispensa explicações e convida o ouvinte para dançar.









sexta-feira, 11 de março de 2022

Empoderadas, Cécile, Melissa e Mary trazem criatividade e atitude ao jazz


Não é de hoje que as mulheres ocupam cada vez mais espaço na sociedade. Como elas mesmo dizem, lugar de mulher "é onde ela quiser". Por mais que o mundo continua a ser um lugar hostil para o sexo feminino, é evidente que no novo século elas conquistaram o direito de ser quem ela quiser e lutar para ter uma vida plena, livre e completa.

No jazz, há inúmeros exemplos de mulheres que mudaram seus destinos, com perseverança e muito talento, e se tornaram referências para que novas mulheres surgissem e conquistassem seu espaço. Nomes como Mary Lou Williams, Billie Holiday, Nina Simone, Anita O'Day, Abbey Lincoln, Dinah Washington, Carla Bley, Dee Dee Bridgewater, Geri Allen, Alice Coltrane, Cassandra Wilson, Diana Krall, Terri Lyne Carrington, Esperanza Spalding, Norah Jones, Maria Schneider, Ingrid Jensen e Terri Lyne Carrington.


A lista é enorme, mas há três "novos nomes" que fatalmente serão lembrados nas próximas décadas: Melissa Aldana, Cécile McLorin Salvant e Mary Halvorson. Das três, sem dúvida, a cantora Cécile McLorin Salvant é a "mais bem sucedida", com três Grammy no currículo e uma ascensão impressionante, que começou em 2010, quando venceu o Thelonious Monk International Jazz Competition, um dos mais importantes descobridores de talentos do jazz nos Estados Unidos.

Em seis anos, Cécile recebeu quatro indicações ao Grammy e levou três para casa. Nada mal para uma cantora de 32 anos e que acaba de lançar um novo álbum Ghost Song, o primeiro pela gravadora Nonesuch Records. O grande destaque do álbum são as faixas “Wuthering Heights", uma das músicas mais emblemáticas da carreira de Kate Bush, e "Moon Song", uma daquelas baladas de cortar o coração.

Em entrevista recente, a cantora explicou a temática do disco. "Todas as músicas do álbum meio que se espelham. Tentei criar essa estranha simetria. Então, à medida que você entra dos dois lados, as músicas são meio que combinadas."

Segundo Cécile, a textura é uma grande parte do seu modo de cantar, tendo várias texturas em uma música. "É quase uma compulsão. Não posso me permitir ficar em uma única textura. A instrumentação cria isso, mas o processo de gravação também. É algo que eu gosto, mesmo quando estou comendo. Você quer o cremoso e mastigável e crocante ao mesmo tempo. Quente e frio.”

Quem também entrega um belíssimo trabalho é a saxofonista chilena Melissa Aldana, que faz sua estreia na tradicional gravadora Blue Note, com o disco 12 Stars.

Assim como Cécile, Melissa também ganhou Thelonious Monk International Saxophone Competition, em 2013, e abriu as portas do mercado mundial do jazz para a sua música.

Em 12 Stars, a produção do guitarrista Lage Lund e a formação de quinteto deixam a música de Melissa ainda mais marcante. O ouvinte ficará hipnotizado pela delicadeza de "The Fool" e extasiado pele intempestiva "Los Ojos de Chile".

Conheça também o projeto Artemis, que traz Melissa e Cécile ao lado de um super grupo formado exclusivamente por mulheres. São elas: Renee Rosnes (piano), Anat Cohen (clarinete), Ingrid Jensen (trompete), Noriko Ueda (baixo) e Allison Miller (bateria). O único disco lançado saiu pela gravadora Blue Note, em 2020.

Para terminar, temos a inquieta guitarrista norte-americana Mary Halvorson. Envolvida em diversos projetos, Mary tem como mentor o saxofonista Anthony Braxton, com quem tocou várias vezes. Para quem não conhece, Braxton tem sido uma voz dissonante dentro do jazz nas últimas cinco décadas. A aproximação da guitarrista com Braxton faz todo sentido quando ouvimos suas composições e o toque preciso durante suas apresentações ao vivo.

Em 2019, a guitarrista foi uma das premiadas no MacArthur Foundation Fellowship, oferecido por uma fundação a artistas que tem "extraordinária originalidade e dedicação em suas atividades criativas e uma notável capacidade de autodireção". Ela vai receber, ao longo de cinco anos, uma quantia de US$ 625 mil, cerca de R$ 3,1 milhões.

O álbum em questão aqui é March, do produtor e baterista Tomas Fujiwara. Ele escalou três trios diferentes para traduzir suas composições.

Entre os escolhidos estão os guitarristas Brandon Seabrook e Mary Halvorson, e os trompetistas Ralph Alessi e Taylor Ho Bynum. As músicas são de difícil degustação, mas a ideia é exatamente essa, causar impacto.



Procure também os discos do trio Thumbscrew, composto por Mary, Fujiwara e o baixista Michael Formanek. Assim como em outros projetos nos quais está envolvida, a guitarra de Mary soa eloquente e cheia de personalidade, muito diferente do que estamos acostumados a ouvir. Mais uma vez, a guitarrista deixa claro que sua percepção musical está anos-luz do nosso sistema solar.