sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Bobby Scott - Slowly

Por 14 anos o Guia de Jazz esteve no ar com a missão de aproximar os internautas ao jazz. Um dos tópicos mais visitados era o de dicas de CDs, no qual dezenas de discos eram indicados e resenhados por mim.

Infelizmente, com o fim do site em setembro de 2015, todo esse acervo foi "perdido". Mas não totalmente perdido.

Além do livro Jazz ao Seu Alcance, que traz todo o conteúdo do guia, com dicas de CDs, DVDs, livros, entrevistas e muito mais, você encontrará quinzenalmente neste blog algumas dicas de CDs publicadas anteriormente no site Guia de Jazz.

Sempre que possível, ao final de cada resenha você encontrará vídeos do Youtube com algumas faixas do disco indicado para escutar. Boa leitura e audição. Veja outras dicas de CDs aqui

Bobby Scott - Slowly (1991)


Não adianta tentar fazer tudo ao mesmo tempo agora. A vida é curta e sabemos disso. Por mais que você dure 80 ou 90 anos, não há tempo suficiente para experimentar e descobrir tudo aquilo que a vida pode proporcionar. Na era da informação, que vai muito além do rádio, jornal, TV e livros, está situação piorou ainda mais e o ser humano percebeu que uma única vida é pouca.

É claro que não devemos encarar isto como um problema, pelo contrário, esta limitação natural da vida deve ser usada ao nosso favor, ou seja, como há pouco tempo devemos filtrar e selecionar da melhor maneira possível o que o cinema, teatro, literatura, TV e música têm a oferecer. Em resumo, seja criterioso.

Para ilustrar isto, vamos falar do pianista, compositor, cantor, produtor e arranjador norte-americano Bobby Scott, que morreu aos 63 anos, vítima de câncer, em 1990. A questão aqui não é porque Scott morreu prematuramente, o que não deixa de ser verdade, mas sim porque provavelmente 99% das pessoas vão passar por esta vida – um tanto curta sem ao menos escutar o voz aveludada e o toque preciso do piano deste grande músico.

Scott começou muito jovem e aos 11 anos já era profissional. Tocou com músicos de respeito como Louis Prima, Tony Scott e Gene Krupa. Com o musical A Taste Of Honey, ele levou um Grammy em 1962 e produziu artistas como Marvin Gaye e Aretha Franklin. Já no fim da vida, Scott voltou a gravar como líder e lançou dois discos For Sentimental Reasons e Slowly, álbum lançado após sua morte.

Apesar de póstumo, Slowly não é um disco triste, talvez melancólico, mas não soturno ou triste. A voz de Scott já não tem a mesma força, mas continua macia e afinada. Isto fica claro na faixa-título e em “Long About Now”, acompanhada apenas do piano, que brilha solo também em “This Is My Country” e na clássica “When I Fall In Love”.

Além de Scott, o disco traz o baixista Steve LaSpina, o baterista Paul Jost e os guitarristas Bucky Pizzarelli e Vinnie Bell. O quarteto aparece na insinuante “You Turned the Tables On Me”, na suingada “Hi Lily Hi Lo”, na deliciosa “Am I Blue” e em “Music Maestro Please”, com um solo arrasador de Scott.

A última dica, que não é de um CD, é que o tempo passa para todos nós. Não se preocupe com isto, apenas viva da melhor maneira possível e aproveite ao máximo o que a vida tem para lhe oferecer. Vida longa e próspera para todos nós e que Bobby Scott descanse em paz.







sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Dan Morgenstern eleva a arte da crítica

O papel da crítica tem sempre dois lados: positiva ou negativa. A questão é saber se a única intenção do crítico é realmente usar seus conhecimentos para ajudar o leitor a decidir se consumirá aquele produto (livro, disco, filme, peça, TV, celular etc) ou se sua crítica tem o objetivo de apenas aniquilar a pretensão do desavisado e exposto consumidor.

Essa pequena linha tênue sempre haverá em uma crítica. Mas o que pode fazer o leitor decidir para qual lado ele seguirá é a idoneidade de quem a escreve.


Esse capital chamado confiança é algo cada vez mais difícil de encontrar na era das redes sociais. O leitor/consumidor é bombardeado por pseudos críticos e gurus dos mais distintos assuntos, todos eles com suas verdades absolutas. Mas no meio deste tiroteio, sempre haverá um benfeitor por quem o leitor poderá confiar sua atenção e encontrar uma crítica contundente e, acima de tudo, coerente com as convicções adquiridas pelo crítico ao longo de sua vida.

É neste pequeno rol de notáveis que está o crítico alemão, radicado nos Estados Unidos, Dan Morgenstern, diretor do Instituto dos Estudos de Jazz da Universidade de Rutgers, em Nova Jersey (EUA) e membro do National Endowment for the Arts Jazz Master. Em outubro deste ano, ele completa 90 anos.

Morgenstern (na foto com Quincy Jones e Lena Horne) se auto-intitula um "advogado do jazz", ou seja, alguém que procura esclarecer os caminhos do jazz e de seus protagonistas para um leitor ávido por informação e carente de embasamento. Em resumo, Morgenstern é um apaixonado por aquilo que faz e compartilha seu conhecimento sem pedir nada em retribuição.

Durante seis décadas, o crítico escreveu diversos livros, entre eles Living With Jazz, e ganhou sete prêmios Grammy na categoria liner notes, ou seja, aquele texto que você encontra no encarte do CD. Além disso, foi editor da revista Down Beat entre 1967 e 1973, escreveu para diversos jornais e lecionou sobre a história do jazz em diversas universidades dos Estados Unidos

Em uma entrevista ao jornalista Marc Myers, do The Wall Street Journal, o crítico resumiu com clareza o seu ofício. "Um dos meus grandes prazeres como escritor é alguém me dizer que algo que eu escrevi (um livro, um artigo, anotações) o expôs a um determinado jazzista. Recentemente, alguém me procurou e falou que leu um artigo sobre um disco de Dexter Gordon que eu escrevi para a revista Down Beat, e que isso foi importante para ele criar um vínculo com jazz desde então".

Para a sorte dos leitores mais atentos, Morgenstern não é um caso isolado. Nomes como Gary Giddins, Ashley Kahn e Nat Hentoff são reconhecidos como críticos preocupados com a crítica construtiva e com a disseminação do conhecimento em seu mais nobre objetivo: abrir a mente das pessoas e deixá-las decidir por conta própria o que desejam ouvir, comer, beber, comprar ou, simplesmente, não consumir nada que um "estranho" que se auto-denomina crítico tenta dizer se é bom ou ruim.

Abaixo você encontra uma entrevista (dividida em dois vídeos) concedida por Dan Morgenstern ao programa Tony Guida’s NY, em 2017. Na ocasião, o crítico falou sobre o centenário da primeira gravação de jazz, que aconteceu oficialmente em 1917, com a Original Dixieland Jazz Band, e outras particularidades sobre os músicos de jazz, com destaque para Ella Fitzgerald e Louis Armstrong. O último vídeo é um passeio guiado por Morgenstern no Instituto dos Estudos de Jazz da Universidade de Rutgers, em Nova Jersey (EUA). Os vídeos publicados no Youtube estão em inglês, mas é possível ativar a legenda em inglês.

Veja a seguir seis discos indicados pelo crítico:

Charlie Parker's Savoy and Dial
Count Basie: Complete Original American Decca Recordings
Duke Ellington: Never No Lament: The Blanton-Webster Band
The Complete Ella Fitzgerald and Louis Armstrong
Art Tatum: The Complete Pablo Group Masterpieces
Billie Holiday and Lester Young: A Musical Romance

Abaixo estão os títulos dos discos que Morgenstern ganhou o Grammy na categoria liner notes:

2008: The Complete Louis Armstrong Decca Sessions (1935-1946) (Louis Armstrong)
2005: If You Got to Ask, You Ain't Got It! (Fats Waller)
1993: Portrait of the Artist As a Young Man 1923-1934 (Louis Armstrong)
1989: Brownie: The Complete EmArcy Recording (Clifford Brown)
1980: Master of the Keyboard (Erroll Garner)
1975: The Changing Face of Harlem: The Savoy Sessions (various artists)
1973: The Hawk Flies (Coleman Hawkins)
1972: God Is In the House (Art Tatum)




segunda-feira, 16 de setembro de 2019

The Brand New Heavies oferece mais do mesmo

Tirem as crianças da sala, afaste o sofá, pegue seu par e dance sem parar. É mais ou menos isso o que o ouvinte do novo disco da banda inglesa The Brand New Heavies (TBNH) terá vontade de fazer ao tocarem a primeira faixa "Beautiful", interpretada pela também britânica Beverley Knight, uma das convidadas de Andrew Levy (baixo) e Simon Bartholomew (guitarra), os cérebros por trás do TBNH.

Difícil acreditar que três décadas se passaram desde o primeiro disco do TBNH, que ao lado de Jamiroquai, US3, Incognito, Count Basic, Young Disciples e Brooklyn Funk Essentials apresentaram ao mundo o que foi rotulado de acid jazz, uma espécie de jazz misturando soul, funk e influências da disco music.

O velho som com influências de Chic, Chaka Khan, Issac Hayes e Stevie Wonder estão novamente ao alcance de uma nova geração de ouvintes. Simon e Andrew não perderam a mão e continuam fazendo qualquer plateia dançar o show inteiro. No novo álbum, chamado TBNH, eles escalaram uma constelação de belas vozes para darem alma a suas composições. Duas delas, conhecidas do antigos fãs: N’Dea Davenport (foto abaixo) e Siedah Garrett.

As duas cantoras são responsáveis pelos dois duas mais conhecidos da banda: Brother Sister (1994) e Shelter (1997), respectivamente interpretados por Davenport e Garrett. Aqui, elas aparecem em cinco das 14 faixas. Por mais que cada uma tenha seu jeito de cantar, fica evidente que Davenport continua sendo a vocalista que melhor se encaixou em toda a história da banda. Escute "Wired Up" e "Getaway" e veja como tudo se encaixa com perfeição.

Ela também brilha na versão de "These Walls", originalmente gravada por Kendrick Lamar e produzida por Mark Ronson, que tem no currículo trabalhos com Lady Gaga, Adele, Miley Cyrus e Bruno Mars. Mas é claro que a voz mais singela de Siedah não é desprezada, pelo contrário, ela cai perfeitamente na bela "It's My Destiny" e na levada soul "Just Believe in You", que criará um Déjà vu delicioso nos quarentões.

A aposta da vez de Andrew e Simon é a cantora Angela Ricci, que será responsável pelos vocais do grupo na turnê que fazem pelo Reino Unido. No disco, ela interpreta "Dance It Out" e "Stupid Love", duas canções com as marcar registradas do grupo: a linha de baixo marcada de Simon e a guitarra rítmica. Destaque também para a soul "Get On The Right Side". No fim deste post, você vê duas interpretações da música "Getaway", uma com Davenport e outra com Angela.


Formação atual: Andrew Levy (guitarra), Angela Ricci (voz) e Simon Bartholomew (baixo)

Outra novidade é ouvir o grupo com vozes masculinas no comando. Laville interpreta "Dontcha Wanna", com seu timbre idêntico a Sam Smith, e Jack Knight pega pesado na setentista "Little Dancer", com influência explícita de Chic, Tramps e, claro, o mestre Isaac Hayes. O disco ainda traz as vozes da experiente cantora norte-americana Angie Stone (Together) e da canadense Honey Larochelle (Heat).

O Brand New Heavies estreou no Brasil no extinto Free Jazz Festival, em 1995, e esteve por aqui pela última vez em 2013. Com o novo álbum, quem sabe eles não resolvem vir matar um pouco da saudade do público e, de quebra, ainda aproveitam o sol que brilha quase que o ano inteiro neste país tropical abaixo da linha do Equador. O convite está feito. Agora só precisamos de um ajudinha do Blue Note São Paulo. O que acham, rapazes?