quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Lee Morgan - The Sidewinder

Johnny Griffin - A Blowin' Session
Por 14 anos o Guia de Jazz esteve no ar com a missão de aproximar os internautas ao jazz. Um dos tópicos mais visitados era o de dicas de CDs, no qual dezenas de discos eram indicados e resenhados. Com o fim do site em setembro de 2015, todo esse acervo foi "perdido".

Mas não totalmente perdido. Além do livro Jazz ao Seu Alcance - que traz todo o conteúdo do guia e muito mais - você encontrará neste blog algumas dicas de CDs publicadas no extinto Guia de Jazz.

Ao final de cada resenha você encontrará vídeos do YouTube com algumas faixas do disco indicado para escutar. Boa leitura e audição. Veja outras dicas de CDs aqui


Lee Morgan - The Sidewinder (1963)


O trompetista Lee Morgan iniciou sua carreira profissional com 15 anos, tocando com Dizzy Gillespie e, depois, foi recrutado pelo baterista Art Blakey, na década de 1950, para fazer parte dos The Jazz Messengers, ao lado do saxofonista Wayner Shorter, do pianista Bobby Timmons e do baixista Jymie Merritt.

Em carreira solo, ele foi imortalizado com o grande disco de sua carreira: The Sidewinder, lançado pela gravadora Blue Note em dezembro de 1963, ou seja, há 60 anos. Aqui, Morgan recrutou um quarteto de respeito para acompanhá-lo: Billy Higgins (bateria), Barry Harris (Piano), Bob Cranshaw (baixo) e um novato no sax tenor, o lendário Joe Henderson. Com um time desses, o trompetista deixou fluir um hard bop de primeira.

Na faixa-título, a integração do sax de Henderson e o trompete de Morgan já valeria cada centavo do disco, mas a música ainda traz todo o suingue e habilidade de Higgins na bateria. Em “Totem Pole”, mais uma vez, Henderson rouba a cena em uma melodia que mistura o jazz e alguns elementos da música latina. Já “Hocus Pocus” traz a junção de piano e trompete que lembra a levada de “Cantaloupe Island”, com Herbie Hanconck e Freddie Hubbard.

Lee Morgan pode ser “responsabilizado” como um dos primeiros músicos de jazz a tocar o que hoje conhecemos como acid jazz. As notas de seu trompete e o ritmo do piano têm uma característica de vanguarda. Hoje em dia, apesar de não tocarem trompete, um dos seguidores do estilo de Morgan é o trio Medeski, Martin & Wood, que produz seus discos com um toque de nostalgia e modernidade ao mesmo tempo.

Apesar de ter morrido prematuramente aos 33 anos (assassinado a tiros pela namorada), em 1972, Morgan marcou seu nome entre os grandes do jazz. Ele é considerado até hoje o sucessor do também trompetista Clifford Brown, de quem foi aluno, e também teve uma morte prematura, aos 25 anos de idade, em um acidente de carro, em 1956.

Para quem quer conhecer um pouco mais a vida do músico, vale a pena assistir ao documentário I Called Him Morgan, de 2016, do cineasta sueco Kasper Collins. O filme destaca a relação do trompetista com sua mulher, Helen Morgan, que assassinou o músico no clube Slugs’ Saloon, de East Village, na cidade de Nova York. A produção tem como mote uma entrevista (apenas o áudio) de Helen gravada um mês antes de sua morte, na qual fala com uma sinceridade comovente sobre a vida ao lado do trompetista e o trágico assassinato.

Outro disco imperdível do trompetista é Live at the Lighthouse, gravado ao vivo no lendário The Lighthouse, em Hermosa Beach, na Califórnia (EUA), entre os dias 10 e 12 de julho de 1970. Ao seu lado, estão o saxofonista Bennie Maupin, o pianista Harold Mabern, o baixista Jymie Merritt e o baterista Mickey Roker, interpretando quatro temas com duração média de 16 minutos cada faixa.

Em 2021, a gravadora Blue Note lançou uma caixa com 8 CDs contento todas as apresentações na íntegra, somando 33 temas, das três noites protagonizadas por Morgan no Lighthouse. Um registro histórico e imperdível para “entender” todo o talento do trompetista.







sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Grammy 2024: os indicados


A Academia do Grammy anunciou no dia 10 de novembro os indicados para a 66ª edição dos prêmios Grammy, que acontecerá no dia 4 de fevereiro de 2024. Ao todo, são 94 categorias dos mais diversos gêneros musicais, entre eles, rock, pop, blues, clássico, folk, R&B, rap, country, new age, gospel e jazz.


A categoria de jazz é dividida em seis sub-categorias: improviso, álbum, álbum vocal, orquestra, latino e alternativo. Neste ano, o jazz ganhou uma nova sub-categoria chamada de Alternative Jazz Album, que traz indicados discos que têm "pitadas de jazz". Entre os indicados nesta nova categoria estão Meshell Ndegeocello, Kurk Elling & Charlie Hunter e Cory Henry. São cinco indicados em cada categoria. Os artistas de jazz também aparecem com frequência em outras categorias, entre elas, composição instrumental e arranjo.

O destaque deste ano é, novamente, o cantor, pianista e arranjador Jon Batiste, que teve a proeza de ser indicado em seis categorias diferentes, entre elas, as três mais importantes: gravação do ano, disco do ano e canção do ano. Ele também concorre na categoria melhor performance de jazz, pela música "Movement 18' (Heroes)", do disco World Music Radio.

Há dois anos, Batiste levou cinco prêmios Grammy (música americana tradicional, performance de música americana tradicional, trilha sonora original, melhor vídeo e disco do ano). O disco vitorioso do músico foi We are, que mistura jazz, R&B, o soul e rap. Além dos quatro prêmios por We Are, o músico conquistou em 2022 o Grammy pela trilha sonora do filme Soul, que foi composta por Batiste, Trent Reznor e Atticus Ross. A trilha também levou o Oscar e o Globo de Ouro algumas semanas antes.
Jon Batiste volta a concorrer em várias categorias, entre elas, gravação do ano

Na categoria melhor disco de jazz, estão a saxofonista Lakecia Benjamin, o baixista Adam Blackstone, o pianista Billy Childs, o guitarrista Pat Metheny e o pianista Kenny Barron. Na edição do ano passado, o melhor disco de jazz ficou com a baterista Terri Lyne Carrington.

Destaque para a jovem Lakecia Benjamin, que participou do Festival MIMO, no Brasil, em maio de 2023. Produzido por Lyne Carrington, o álbum traz a saxofonista ainda mais livre e eclética, mostrando que ela continuará sendo onipresente com sua música desafiadora e ao mesmo tempo acessível.

Na categoria melhor disco de jazz latino, teremos um embate entre três artistas brasileiros: Eliane Elias, Ivan Lins e Luciana Souza & Trio Corrente (foto abaixo). É a primeira vez que três músicos do Brasil disputam a mesma categoria no Grammy.

No ano passado, o melhor disco de jazz latino ficou com o pianista Arturo O'Farrill & The Afro Latin Jazz Orchestra. O último brasileiro a ganhar o Grammy foi a pianista Eliane Elias, com o disco Mirror Mirror, em 2022, na categoria melhor disco de jazz latino. Essa é a sexta indicação de Eliane.

Vale um destaque especial para o encontro da cantora Luciana Souza com o Trio Corrente. Morando há décadas nos Estados Unidos, Luciana é a mais respeitada cantora brasileira no exterior, entregando com frequência grandes álbuns. Desta vez, o formato de trio (piano, baixo e bateria) deixou sua técnica vocal ainda mais evidente. No cardápio, temas de Tom Jobim, Dorival Caymmi, Djavan e Paulinho da Viola.

Entre os cantores, o melhor disco de jazz vocal será disputado entre Patti Austin, Esperanza Spalding (parceria com Fred Hersch), Gretchen Parlato (parceria com Lionel Loueke), Cécile McLorin Salvant e Nicole Zuraitis. Na edição do ano passado, o melhor disco de jazz vocal ficou com a cantora Samara Joy.

A categoria tem competidoras de peso, como Cécile e Esperanza, que já ganharam o prêmio mais de uma vez. A veterana Patti Austin também já tem um Grammy de melhor disco de jazz vocal, e desta vez tem a seu favor o repertório de Ella Fitzgerald. Correndo por fora, está Gretchen Parlato e seu belíssimo disco ao lado do guitarrista africano Lionel Loueke.

Por fim, a nova categoria do jazz tem entre seus indicados a deliciosa parceria entre o cantor Kurk Elling e o guitarrista Charlie Hunter. A dupla já tinha sido indicada na categoria melhor disco de jazz vocal em 2022, mas não levou. Agora, eles repetem a dose, com a mesma mistura de soul, funk, r&b e jazz. Ouvir Elling usando todo o seu domínio vocal em melodias não jazzísticas é uma experiência enriquecedora. Merece, e muito, levar o prêmio.

O jazz também concorre na categoria Best Album Notes, com o disco Evenings At The Village Gate: John Coltrane With Eric Dolphy (Live), que traz textos do premiado jornalista de jazz Ashley Kahn. Outra categoria fora do jazz, mas com músicos de jazz, é a Best Classical Compendium, que tem indicado o álbum Sardinia, do saudoso pianista Chick Corea.

IMPROVISAÇÃO DE SOLISTA


Movement 18' (Heroes)
Jon Batiste

Basquiat
Lakecia Benjamin

Vulnerable (Live)
Adam Blackstone Featuring The Baylor Project & Russell Ferranté

But Not For Me
Fred Hersch & Esperanza Spalding

Tight
Samara Joy

DISCO DE JAZZ VOCAL


For Ella 2
Patti Austin Featuring Gordon Goodwin's Big Phat Band

Alive At The Village Vanguard
Fred Hersch & Esperanza Spalding

Lean In
Gretchen Parlato & Lionel Loueke

Mélusine Cécile McLorin Salvant

How Love Begins
Nicole Zuraitis

DISCO DE JAZZ


The Source
Kenny Barron

Phoenix
Lakecia Benjamin

Legacy: The Instrumental Jawn
Adam Blackstone

The Winds Of Change
Billy Childs

Dream Box
Pat Metheny

DISCO DE ORQUESTRA


The Chick Corea Symphony Tribute - Ritmo
ADDA Simfònica, Josep Vicent, Emilio Solla

Dynamic Maximum Tension
Darcy James Argue's Secret Society

Basie Swings The Blues
The Count Basie Orchestra Directed By Scotty Barnhart

Olympians
Vince Mendoza & Metropole Orkest

The Charles Mingus Centennial Sessions
Mingus Big Band

DISCO DE JAZZ LATINO


Quietude
Eliane Elias

My Heart Speaks
Ivan Lins With The Tblisi Symphony Orchestra

Vox Humana
Bobby Sanabria Multiverse Big Band

Cometa
Luciana Souza & Trio Corrente

El Arte Del Bolero Vol. 2
Miguel Zenón & Luis Perdomo

DISCO DE JAZZ ALTERNATIVO


Love In Exile
Arooj Aftab, Vijay Iyer, Shahzad Ismaily

Quality Over Opinion
Louis Cole

SuperBlue: The Iridescent Spree
Kurt Elling, Charlie Hunter, SuperBlue

Live At The Piano
Cory Henry

The Omnichord Real Book
Meshell Ndegeocello

DISCO INSTRUMENTAL CONTEMPORÂNEO


As We Speak
Béla Fleck, Zakir Hussain, Edgar Meyer, Featuring Rakesh Chaurasia

On Becoming
House Of Waters

Jazz Hands
Bob James

The Layers
Julian Lage

All One
Ben Wendel

MELHOR ARRANJO INSTRUMENTAL E VOCAL


April In Paris
Gordon Goodwin, arranger (Patti Austin Featuring Gordon Goodwin's Big Phat Band)

Com Que Voz (Live)
John Beasley & Maria Mendes, arrangers (Maria Mendes Featuring John Beasley & Metropole Orkest)

Fenestra
Godwin Louis, arranger (Cécile McLorin Salvant)

In The Wee Small Hours Of The Morning
Erin Bentlage, Jacob Collier, Sara Gazarek, Johnaye Kendrick & Amanda Taylor, arrangers (säje Featuring Jacob Collier)

Lush Life
Kendric McCallister, arranger (Samara Joy)























quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Joshua Redman viaja pelas paisagens da América


Depois de uma temporada tocando ao lado dos velhos camaradas (Brad Mehldau, Christian McBride e Brian Blade) e de uma breve turnê pela América Latina, o saxofonista Joshua Redman lançou em setembro seu mais novo disco: Where Are We, o primeiro lançado pela tradicional gravadora de jazz Blue Note, e o primeiro com músicas cantadas.

Após três décadas de carreira, Redman tem ao seu lado uma cantora, no caso, Gabrielle Cavassa, que não conseguiu ofuscar o sempre preciso sax do músico. A escolha do repertório é toda voltada para temas que tem alguma cidade dos Estados Unidos no título, entre elas, Chicago, Philadelphia, Phoenix, Nova Orleans e Alabama.

Redman escalou Joe Sanders (baixo), Aaron Parks (piano) e Brian Blade (bateria) para este itinerário pelas paisagens norte-americana. As músicas cantadas dominam o álbum, mas as composições instrumentais também têm espaço por aqui, entre elas, “Manhattan”, com a participação do guitarrista Peter Bernstein, “Baltimore” e “Alabama”, composta por saxofonista John Coltrane, em 1963, considerado uma das obras-primas do saxofonista.

A voz de Cavassa ecoa de diferentes maneiras durante as canções. Na bela “By The Time I Get To Phoenix”, gravada por Johnny Rivers, Cavassa aparece na quantidade suficiente (2 minutos) e certeira para a se alinhar ao envolvente background proporcionado pelo quarteto.
Redman ao lado da cantora Gabrielle Cavassa e do seu trio (Parks, Blade e Sanders)

O jeito despretensioso de Cavassa casa com perfeição com a balada “Do You Know What It Means To Miss New Orleans”, que conta ainda com o solo de trompete de Nicolas Payton. O disco também traz as versões de “Streets of Philadelphia”, de Bruce Springsteen, com participação do guitarrista Kurt Rosenwinkel, e “Chicago Blues”, de Count Basie, com o suave toque do vibrafonista Joel Ross, e “After Minneapolis”, composição do próprio saxofonista, que escreveu o tema pouco depois da morte de George Floyd, em 2020, que foi estrangulado por um policial.

Para fechar, a badala acústica “Where Are You” deixa aquele gostinho de quero mais para o ouvinte démodé que ainda tem o saudável hábito de ouvir um álbum do início ao fim. Garanto que não será sacrifício algum separar exatos 60 minutos para ouvir Redman e companhia.