quarta-feira, 30 de março de 2022

Flip Phillips - Swing Is The Thing

Greg Osby jazz
Por 14 anos o Guia de Jazz esteve no ar com a missão de aproximar os internautas ao jazz. Um dos tópicos mais visitados era o de dicas de CDs, no qual dezenas de discos eram indicados e resenhados. Com o fim do site em setembro de 2015, todo esse acervo foi "perdido".

Mas não totalmente perdido. Além do livro Jazz ao Seu Alcance - que traz todo o conteúdo do guia e muito mais - você encontrará neste blog algumas dicas de CDs publicadas no extinto Guia de Jazz.

Ao final de cada resenha você encontrará vídeos do YouTube com algumas faixas do disco indicado para escutar. Boa leitura e audição. Veja outras dicas de CDs aqui


Flip Phillips - Swing Is The Thing (2000)


Muitas vezes a longevidade é considerada um fardo para carregar. Isso acontece quando a pessoa não tem mais alegria de viver ou está doente e o que mais deseja é partir desta para uma melhor. Felizmente, para os fãs de jazz, esse não foi o caso do saxofonista norte-americano Flip Phillips, que morreu aos 85 anos, em 2001.

Um pouco antes de sua morte, Phillips, que foi descoberto por Woody Herman, na década de 40, gravou seu primeiro disco por uma grande gravadora, a Verve. Mais uma vez, o saxofonista deixou claro porque foi convocado por Norman Granz para fazer parte da turnê itinerante Jazz at the Philharmonic, entre 46 e 57. Seu toque continua elegante e preciso.

Além disso, o CD traz participações especiais de outras duas feras do sax tenor, o “jovem” James Carter e o craque Joe Lovano, isto sem falar do baixista Christian McBride, do pianista Benny Green, do guitarrista Howard Alden e do baterista Keith Washington.

O disco abre com o trio Phillips, Lovano e Carter no hard bop “The Mask of Zorro”. Outras duas colaborações dos saxofonistas estão em “Where or When”, com Carter, e “Flip the Wrip”, com Lovano, ambas são de tirar o fôlego do ouvinte. Um verdadeiro encontro de gerações e um desfile de improvisos.

O clima fica mais tranquilo em “In a Mellow Tone”, de Duke Ellington, com destaque para o baixo de McBride, “For All We Know”, na qual a influência de Ben Webster está evidente, e em “This is All I Ask”, duetos entre o sax de Phillips e a guitarra de Alden.

O piano de Green aparece na singela “Susan’s Dream” e a guitarra de Alden brilha na suingada “Exactly Like Us”, composta por Alden e Phillips. Para fechar, a faixa-título dispensa explicações e convida o ouvinte para dançar.









sexta-feira, 11 de março de 2022

Empoderadas, Cécile, Melissa e Mary trazem criatividade e atitude ao jazz


Não é de hoje que as mulheres ocupam cada vez mais espaço na sociedade. Como elas mesmo dizem, lugar de mulher "é onde ela quiser". Por mais que o mundo continua a ser um lugar hostil para o sexo feminino, é evidente que no novo século elas conquistaram o direito de ser quem ela quiser e lutar para ter uma vida plena, livre e completa.

No jazz, há inúmeros exemplos de mulheres que mudaram seus destinos, com perseverança e muito talento, e se tornaram referências para que novas mulheres surgissem e conquistassem seu espaço. Nomes como Mary Lou Williams, Billie Holiday, Nina Simone, Anita O'Day, Abbey Lincoln, Dinah Washington, Carla Bley, Dee Dee Bridgewater, Geri Allen, Alice Coltrane, Cassandra Wilson, Diana Krall, Terri Lyne Carrington, Esperanza Spalding, Norah Jones, Maria Schneider, Ingrid Jensen e Terri Lyne Carrington.


A lista é enorme, mas há três "novos nomes" que fatalmente serão lembrados nas próximas décadas: Melissa Aldana, Cécile McLorin Salvant e Mary Halvorson. Das três, sem dúvida, a cantora Cécile McLorin Salvant é a "mais bem sucedida", com três Grammy no currículo e uma ascensão impressionante, que começou em 2010, quando venceu o Thelonious Monk International Jazz Competition, um dos mais importantes descobridores de talentos do jazz nos Estados Unidos.

Em seis anos, Cécile recebeu quatro indicações ao Grammy e levou três para casa. Nada mal para uma cantora de 32 anos e que acaba de lançar um novo álbum Ghost Song, o primeiro pela gravadora Nonesuch Records. O grande destaque do álbum são as faixas “Wuthering Heights", uma das músicas mais emblemáticas da carreira de Kate Bush, e "Moon Song", uma daquelas baladas de cortar o coração.

Em entrevista recente, a cantora explicou a temática do disco. "Todas as músicas do álbum meio que se espelham. Tentei criar essa estranha simetria. Então, à medida que você entra dos dois lados, as músicas são meio que combinadas."

Segundo Cécile, a textura é uma grande parte do seu modo de cantar, tendo várias texturas em uma música. "É quase uma compulsão. Não posso me permitir ficar em uma única textura. A instrumentação cria isso, mas o processo de gravação também. É algo que eu gosto, mesmo quando estou comendo. Você quer o cremoso e mastigável e crocante ao mesmo tempo. Quente e frio.”

Quem também entrega um belíssimo trabalho é a saxofonista chilena Melissa Aldana, que faz sua estreia na tradicional gravadora Blue Note, com o disco 12 Stars.

Assim como Cécile, Melissa também ganhou Thelonious Monk International Saxophone Competition, em 2013, e abriu as portas do mercado mundial do jazz para a sua música.

Em 12 Stars, a produção do guitarrista Lage Lund e a formação de quinteto deixam a música de Melissa ainda mais marcante. O ouvinte ficará hipnotizado pela delicadeza de "The Fool" e extasiado pele intempestiva "Los Ojos de Chile".

Conheça também o projeto Artemis, que traz Melissa e Cécile ao lado de um super grupo formado exclusivamente por mulheres. São elas: Renee Rosnes (piano), Anat Cohen (clarinete), Ingrid Jensen (trompete), Noriko Ueda (baixo) e Allison Miller (bateria). O único disco lançado saiu pela gravadora Blue Note, em 2020.

Para terminar, temos a inquieta guitarrista norte-americana Mary Halvorson. Envolvida em diversos projetos, Mary tem como mentor o saxofonista Anthony Braxton, com quem tocou várias vezes. Para quem não conhece, Braxton tem sido uma voz dissonante dentro do jazz nas últimas cinco décadas. A aproximação da guitarrista com Braxton faz todo sentido quando ouvimos suas composições e o toque preciso durante suas apresentações ao vivo.

Em 2019, a guitarrista foi uma das premiadas no MacArthur Foundation Fellowship, oferecido por uma fundação a artistas que tem "extraordinária originalidade e dedicação em suas atividades criativas e uma notável capacidade de autodireção". Ela vai receber, ao longo de cinco anos, uma quantia de US$ 625 mil, cerca de R$ 3,1 milhões.

O álbum em questão aqui é March, do produtor e baterista Tomas Fujiwara. Ele escalou três trios diferentes para traduzir suas composições.

Entre os escolhidos estão os guitarristas Brandon Seabrook e Mary Halvorson, e os trompetistas Ralph Alessi e Taylor Ho Bynum. As músicas são de difícil degustação, mas a ideia é exatamente essa, causar impacto.



Procure também os discos do trio Thumbscrew, composto por Mary, Fujiwara e o baixista Michael Formanek. Assim como em outros projetos nos quais está envolvida, a guitarra de Mary soa eloquente e cheia de personalidade, muito diferente do que estamos acostumados a ouvir. Mais uma vez, a guitarrista deixa claro que sua percepção musical está anos-luz do nosso sistema solar.





sexta-feira, 4 de março de 2022

Kenny G volta em documentário e com álbum de inéditas


Ele foi onipresente por dez anos, entre as décadas de 1980 e 1990. Sua música tocava em todos os lugares, especialmente em consultórios médicos, elevadores e salas de espera, em geral. Para muitos, ele foi, é e sempre será a versão de sopro do então rei da música ambiente, o pianista Richard Clayderman, que nunca foi levado a sério pela crítica especializada, assim como o saxofonista norte-americano Kenny G.

Mas o que mais marcou sua carreira é o poder que sua música tem de ser amada por milhares de pessoas e, ao mesmo tempo e na mesma intensidade, ser odiada por outros milhares. É claro que isso não acontece apenas com ele, os já citados Clayderman e Conniff, incluindo Andre Rieu e Yanni, também sofrem deste mesmo mal.

Agora, mais de duas décadas após seu sucesso arrebatador, temos a oportunidade de tentar "entender" esses sentimentos tão distintos que fazem parte de todos nós. Lançado em dezembro de 2021, no canal HBO, o documentário Listening to Kenny G mostra como essas duas emoções atingem o seu alvo, neste caso, o saxofonista.

Dirigido pela documentarista norte-americana Penny Lane, o filme revela que a principal preocupação do músico é tocar seu instrumento e compor canções com a mais alta qualidade possível, ou seja, a prioridade não é vender discos. Durante as entrevistas, Kenny G, do alto da sua experiência de 64 anos de vida, conversa abertamente sobre a hostilidade que o acompanha por quase quatro décadas.

Além das percepções do saxofonista, o documentário traz entrevistas com críticos de música que apontam os motivos que levam os ouvintes a esses dois extremos. O filme não aponta o dedo para ninguém e, muito menos, dá um veredito sobre o que leva uma pessoa odiar um determinado artista. Por fim, o espectador mais atento vai perceber que o que importa de verdade é a música e o músico que a executa. É disso que se trata.

Kenny G será lembrado para sempre, para o bem ou para o mal, assim como acontece com os grandes mitos do jazz, como Miles Davis, Duke Ellington e Charlie Parker. Mas a importância de sua música será mensurada por quem realmente importa, ou seja, os ouvintes. E na "disputa" entre o amor e o ódio, no caso do saxofonista, certamente a primeira opção sairá vencedora, pois todos sabemos que raiva, inveja e ódio nunca trazem coisas boas.

Apesar da abordagem bem fundamentada, o documentário poderia ter explorado o fato de músicos com um perfil parecido com o de Kenny G não terem sofrido o mesmo ataque. Bons exemplos disso são os saxofonistas Grove Washigton Jr, David Sanborn e George Howard. Os três apareceram antes do estrelato de Kenny G, com composições "parecidas" com as suas, e nunca sofreram o mesmo tipo de hostilidade. Pelo contrário, o disco Winelight (1980), de Washington Jr., considerado o ponta pé inicial do que mais tarde seria rotulado de smooth jazz, recebeu ótimas críticas e tem o seu lugar na história da música instrumental.

Para quem deseja se aprofundar nesta seara, confira o artigo escrito, em inglês, pelo pianista e compositor John Halle. Ele destaca aspectos interessantes sobre a inveja e como odiar a música de Kenny G pode ser um "passaporte" para ser reconhecido como alguém de gosto apurado. Halle também faz uma paralelo pertinente sobre a música do saxofonista com as "notas erradas" de Eric Dolphy e o minimalismo do compositor Steve Reich, além de lembrar da agressão gratuita proferida pelo guitarrista Pat Metheny quando perguntado sobre a música de Kenny G.

NEW STANDARDS

Após um hiato de seis anos, o saxofonista lança um novo disco, chamado New Standards. O albúm foi lançado simultaneamente com o documentário. Para quem é fã de carteirinha, o disco pode parecer menos Kenny G que os anteriores. Mas a essência do seu jeito de tocar está preservada. Outro trunfo que sempre o acompanhou são as composições próprias. O disco traz 11 músicas inéditas do saxofonista.

Desta vez, segundo o músico declarou em entrevistas recentes, ele se inspirou nas baladas jazz dos anos 1950 e 1960, em especial no saxofonista Stan Getz, por quem o músico tem grande admiração. A música "Legacy" é um tributo a Getz e foi criada a partir de uma de suas composições. A técnica usada pelo arranjador Jochem van der Saag utiliza um programa que pega notas já compostas por Getz e, a partir delas, cria uma melodia que nunca foi tocada por Getz.