terça-feira, 13 de agosto de 2019

Pat Metheny - Secret Story

Por 14 anos o Guia de Jazz esteve no ar com a missão de aproximar os internautas ao jazz. Um dos tópicos mais visitados era o de dicas de CDs, no qual dezenas de discos eram indicados e resenhados por mim.

Infelizmente, com o fim do site em setembro de 2015, todo esse acervo foi "perdido". Mas não totalmente perdido.

Além do livro Jazz ao Seu Alcance, que traz todo o conteúdo do guia, com dicas de CDs, DVDs, livros, entrevistas e muito mais, você encontrará quinzenalmente neste blog algumas dicas de CDs publicadas anteriormente no site Guia de Jazz.

Sempre que possível, ao final de cada resenha você encontrará vídeos do Youtube com algumas faixas do disco indicado para escutar. Boa leitura e audição. Veja outras dicas de CDs aqui

Pat Metheny - Secret Story (1992)

A trajetória do guitarrista Pat Metheny começou há quase meio século, na distante década de 1970, quando chamou a atenção do vibrafonista Gary Burton, que o escalou para ser seu pupilo. Desde então, Metheny se transformou em um dos mais inventivos e festejados músicos do jazz. Seu toque pessoal e sua inquietação musical o levaram a distintos caminhos musicais e fizeram do músico um verdadeiro alquimista sonoro.

Solo, elétrico, acústico, em trio, em quarteto, com orquestra, não importa, a genialidade do guitarrista pode ser provada em todos os formatos e sem qualquer contraindicação. Desde sua estreia na gravadora ECM, em 1976, Metheny tocou com dezenas de músicos e imortalizou sua guitarra sintetizada dentro do jazz fusion.

Com os discos Offramp (1982),The Falcon And The Snowman (1985), Still Life Talking (1987), Zero Tolerance for Silence (1994), Orchestrion (2010) ou ao lado de Charlie Haden, John Scofield, Ornette Coleman, Brad Mehldau e Chris Potter, Metheny não poupou esforços para traduzir em música tudo aquilo que tinha em mente.

Entre os discos mais interessantes está Secret Story (1992), que poderia muito bem ter sido a trilha sonora de um filme. Ao todo, são mais de 80 músicos, incluindo a Orquestra de Londres, conduzida por Jeremy Lubbock, os percussionistas brasileiros Armando Marçal e Naná Vasconcelos, o veterano gaitista Toots Thielemans, além dos velhos camaradas da Pat Metheny Band, Paul Wertico (bateria), Steve Rodhy (baixo) e Lyle Mays (piano). Em 2017, uma versão estendida foi lançada. A novidade são cinco faixas gravadas na mesma época, mas que acabaram ficando fora do disco original.

A sonoridade criada aqui é intensa e envolvente. Logo de saída aparece "Above The Treetops", com Metheny solando no violão entre o coral de voz Cambodian Royal Palace. O som nos leva diretamente às trilhas do grego Vangelis. O chamado "som de Pat Metheny" aparece por inteiro em "Facing West", uma das poucas faixas com a participação de Mays no piano. O clima de trilha sonora volta com tudo na singela "Cathedrak In a Suitcase".

Em "Fiding and Believing", com 10 minutos de duração, o vocal de Mark Ledford dá o tom de um tema cheio de nuances e surpresas. Durante a turnê deste disco, um jogo de luzes muito bem sacado é usado neste música. Confira no vídeo abaixo a apresentação completa do show deste álbum gravado em New Brunswick, em Nova Jersey (EUA).

Os dois temas mais "simples" são "Sunlight", uma balada pop, e a delicada "Always and Forever", com participação de Toots Thielemans. Em "See the World", o velho Metheny está por completo. Suas frases rápidas e precisas, estão em perfeita sintonia com a bateria sempre imprescindível de Wertico.


Contra-capa do disco lançado pela gravadora Geffen

Outro momento singular acontece na singela "Antonia", com Metheny tocando guitarra e acordeon sintetizados. O mesmo acontece com "Tell Her You Saw Me", que traz um dueto de guitarra e harpa, tudo com a Orquestra de Londres fazendo o pano de fundo, e "River Rain", com sete minutos de duração e a perfeita fusão entre a guitarra de Metheny e a percussão de Marçal.

Diante de um álbum tão forte e delicado ao mesmo tempo, não poderia faltar um tema épico. E é assim mesmo que deve ser rotulado "The Truth Will Always Be", com nove minutos de duração. Mais uma vez, a bateria de Wertico faz toda a diferença dentro de um tema que vai criando vida a cada minuto. O arranjo envolve o ouvinte de uma maneira única.

Quando você percebe, já está completamente entorpecido e hipnotizado pelo tema. No meio da canção, quase como um grito de socorro, a guitarra sintetizada de Metheny corta o silêncio com um solo arrebatador. A catarse é inevitável e a expectativa é completamente superada.

Com Secret Story, Pat Metheny provou mais uma vez que não há limite para sua guitarra e sua mente musical. Hoje, aos 65 anos de idade, o velho guitarrista oferece aos seus fãs, a cada disco, um novo desafio e a garantia de que até o fim de seus dias, ele terá sua guitarra em punho para provocar as mais distintas sensações em seu público.













sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Ressuscitando Miles

Passa ano e entra ano, e a figura onipresente de Miles Davis está sempre "assombrando" o mundo do jazz. É claro que isso não é uma crítica, pelo contrário, Miles fez por merecer essa devoção.

Mas é fato que muitos ainda faturam com o músico de jazz mais importante da história ao lado de Duke Ellington, Charlie Parker, Louis Armstrong e John Coltrane. Neste ano, três lançamentos voltam a "ressuscitar" o trompetista norte-americano que morreu em 1991, aos 65 anos.

O primeiro é o lançamento do vinil duplo do disco Complete Birth Of The Cool, de 1957. As gravações foram feitas entre 1949-1950, com a participação de Gerry Mulligan, Lee Konitz, Max Roach, John Lewis e os arranjos de Gil Evans.

A versão estendida conta com uma apresentação ao vivo gravada no The Royal Roost, nos dias 4 e 18 de setembro de 1948.

Outro lançamento é o disco inédito Rubberband (foto abaixo), gravado originalmente em 1985, o que seria a estreia do trompetista na gravadora Warner. Mas o disco acabou engavetado e "substituído" pelo álbum Tutu. A nova versão de Rubberband traz a participação das cantoras Lalah Hathaway, Ledisi e Medina Johnson. Originalmente, o disco teria a participação de Chaka Khan e Al Jarreau. Mas isso acabou não acontecendo.

A última preciosidade de Miles para 2019 é o documentário Miles Davis: Birth of the Cool, do aclamado documentarista Stanley Nelson. A estreia aconteceu no festival Sundance, em janeiro, e foi muito elogiado pela crítica.

Segundo o diretor, além de fotos inéditas e gravações nunca antes ouvidas, o documentário entrevista a viúva de Miles, Frances Davis, além de vários músicos, entre eles, Herbie Hancock, Santana e Ron Carter.

Além disso, o ator Carl Lumbly narra, como se fosse o próprio Miles, trechos da autobiografia do músico, deixando o documentário ainda mais atraente e pessoal.

Vale lembrar que este ano comemora-se os 60 anos do lançamento do disco Kind of Blue, no dia 17 de agosto de 1959. Considerado um divisor de água dentro do jazz, o disco traz o trompetista ao lado de John Coltrane (sax), Julian Cannonball Adderley (sax), Paul Chambers (baixo), Bill Evans (piano) e Wynton Kelly (piano), Jimmy Cobb (bateria) .

Oficialmente, não há nada programado para marcar essa importante data no calendário do jazz. Para quem quer saber mais sobre o cultuado disco, procure os livros Kind of Blue, de Richard Williams, da editora Casa da Palavra, e Kind of Blue: a história da obra prima de Miles Davis, de Ashley Kahn, da editora Barracuda. Como foram lançados faz um bom tempo, não será difícil encontrar em um sebo perto de você. Vale a pena a leitura.

O trompetista também virou filme em 2016, com o ator Don Cheadle fazendo o papel do músico, além de estrear na direção.  Miles Ahead não conta a história cronológica de Davis. O diretor preferiu pinçar alguns pontos de sua trajetória e enfatizar como a genialidade do músico trazia dificuldade para sua vida ao mesmo tempo que o tornou um dos músicos mais influentes do século XX.

LP duplo do disco Complete Birth Of The Cool, originalmente lançado em 1957











quinta-feira, 25 de julho de 2019

Quiana Lynell mistura jazz, soul e gospel em seu álbum de estreia

De tempos em tempos somos presenteados com uma nova cantora de jazz. Da "nova safra", temos nomes como Cécile McLorin Salvant, Lizz Wright, Cyrille Aimée, Kandace Springs, Esperanza Spalding, Jazzmeia Horn e Somi.

Também é fato que entre as cantoras citadas, grande parte delas flerta com o r&b e com a soul music, o que não é exatamente um problema, concorda?

No fim de 2017, uma nova voz começou a aparecer após ter vencido o Sarah Vaughan International Jazz Vocal Competition, um dos mais importante concursos vocais dos Estados Unidos e que já teve como campeãs nomes como Cyrille Aimée, Laurin Talese, Jazzmeia Horn e Arianna Neikrug.

Mas em 2017 a vencedora foi Quiana Lynell, uma mãe de família que trabalhava como professora de música e decidiu abrir mão de seu ofício principal para se dedicar totalmente à carreira. O resultado disso é o disco A Little Love, lançado em 2019 pela gravadora Concord. O gravação de um CD foi um dos prêmios que Quiana ganhou ao vencer o concurso.

O disco traz a cantora interpretando temas imortalizados nas vozes de Nina Simone, Ella Fitzgerald, Carmen McRae, Chaka Khan, Donny Hathaway e Dusty Springfield. Tudo muito bem equalizado e com pitadas muito bem temperadas de jazz, blues, r&b, gospel e soul.

O resultado é um misto entre Dianne Reeves, Diane Schuur e Cassandra Wilson. A própria cantora declarou em entrevista que gostaria de "ser Dianne Reeves". Ao ouvir seu disco de estreia, é possível ver que Quina está no caminho certo.

Suas interpretações de "Move Me No Mountain", de Chaka Khan,, "You Hit The Spot", de Ella Fitzgerald, "Just A Little Lovin' (Early In The Mornin')", de Dusty Springfield, e "I Wish I Knew (How It Would Feel to Be Free)", de Nina Simone, trazem uma voz segura, macia e muito bem treinada para seu ofício.

Quiana também flerta com o blues nos temas "Tryin' Times", de Donny Hathaway, e "Hip Shakin' Momma", de Irma Thomas. O jazz mais "tradicional" está na clássica "They All Laughed", composta por George Gershwin e gravada por nomes como Carmen McRae, Frank Sinatra, Fred Astaire, Sarah Vaughan e Chet Baker. No disco, Quina é acompanhada por Cyrus Chestnut (piano), Jamison Ross (bateria), Ed Cherry (guitarra), George DeLancey (baixo) e Monte Croft (vibrafone).