segunda-feira, 24 de julho de 2006

The Blue Note 7

Tudo começou com uma gravação com os pianistas Albert Ammons e Meade Lux Lewis, em 13 de janeiro de 1939, na cidade de Nova York. Neste dia, os imigrantes alemães Alfred Lion e Francis Wolff criaram um dos pilares da história do jazz, a gravadora Blue Note. Além de suas gravações históricas, o selo também é lembrado pelo design moderno e inovadores de suas capas e pela qualidade sonora de seus discos. Os responsáveis por isso eram, respectivamente, o designer Reid Miles e o engenheiro de som Rudy Van Gelder.

Durante os 15 anos em que trabalhou na gravadora, Miles fez cerca de 500 capas e soube como ninguém aliar sua técnica às fotos de Wolff. Como esquecer capas clássicas como Soul Station, de Hank Mobley, Mode For Joe, de Joe Henderson, Hub-Tones, de Freddie Hubbard e Point Of Departure, de Andrew Hill? Já Van Gelder tornou-se sinônimo de qualidade e foi responsável por gravações definitivas dos principais músicos do selo, como Kenny Burrell, Miles Davis, Thelonious Monk, Art Blakey e Wayne Shorter.

O auge da Blue Note aconteceu durante os anos 50 e 60, época em que o jazz deixava o bebop para trás e avançava no caminho do hard bop e avant-garde. Entre dezenas de discos e jazzistas que fizeram a história da gravadora, é de vital importância citar os nomes dos saxofonistas Wayne Shorter, Joe Hendeson, Hank Mobley, Lou Donaldson, Dexter Gordon, Eric Dolphy, Stanley Turrentine, Sonny Rollins e Jackie McLean, dos pianistas Herbie Hancock, Andrew Hill, Horace Silver, Bud Powell, Sonny Clark e Kenny Drew, dos trompetistas Freddie Hubbard, Donald Byrd, Blue Mitchell e Lee Morgan, do organista Jimmy Smith, dos guitarristas Grant Green e Kenny Burrell, do vibrafonista Bobby Hutcherson e do baterista Art Blakey e o seu Jazz Messengers.

Em 2009, para festejar os 70 anos da Blue Note, um conjunto com sete feras do jazz lançou o disco Mosaic, A Celebration of Blue Note Records. Denominado The Blue Note 7, o grupo tem a seguinte formação: Bill Charlap (piano), Nicholas Payton (trompete) , Steve Wilson (sax alto e flauta), Ravi Coltrane (sax tenor), Peter Bernstein (guitarra), Peter Washington (baixo) e Lewis Nash (bateria).

Apesar da maior parte dos músicos nunca ter gravado pela Blue Note, o tributo ficou a altura da importância e da influência que o selo exerce desde a década de 1940. No repertório, composições de jazzistas que marcaram a história da gravadora: Cedar Walton, Joe Henderson, McCoy Tyner, Herbie Hancock, Horace Silver, Thelonious Monk, Duke Pearson e Bobby Hutcherson.

A escolha do tema “Mosaic”, de Walton, para abrir o disco não poderia ter sido mais acertada. Em seus oito minutos, a música abre espaço para quase todos os instrumentistas, com exceção de Washington. Na sequência é a vez dos metais (saxes e trompete) tomarem a frente no tema “Inner Urge”, de Henderson.

Já em “Criss Cross”, de Monk, mais uma vez, todos os músicos solam, inclusive Washington. Em “Little B’s Poem”, de Hutcherson, a flauta de Wilson e a guitarra de Bernstein é que dão o tom. A guitarra também é destaque na suave “Idle Moments”, composta por Pearson, mas imortalizada no disco homônimo do guitarrista Grant Green. O toque refinado de Payton é destaque em “Dolphin Dance”, de Hancock.

Em pleno século XXI, a continuidade da Blue Note está garantida no talento de músicos como, Aaron Parks, Amos Lee, Cassandra Wilson, Ambrose Akinmusire, Gregory Porter, Jason Moran, Lionel Loueke, Madlib, Norah Jones, Robert Glasper, Trombone Shorty, entre outros. Com eles, a gravadora deixa claro que o jazz continuará vivo e forte por, pelo menos, outros 70 anos. Quem viver verá.



* Emerson Lopes é jornalista, autor do livro Jazz ao seu alcance, da editora Multifoco, e apresentador do podcast Jazzy. Saiba mais sobre o livro aqui. Ouca o podcast aqui

Datas

quarta-feira, 7 de junho de 2006

Jazz, uma breve introdução

O Guia de Jazz virou o livro "Jazz ao seu alcance". Abaixo você vai encontrar um pequeno texto que tem como objetivo pontuar alguns momentos importantes da história do jazz, seus expoentes, seus movimentos, sua evolução e o que ainda está por vir. É importante salientar que centenas de nomes e fatos ocorridos na história do jazz não foram citados nesta pequena introdução.

O jazz é, sem dúvida, a música mais livre do planeta. Nela o músico e o ouvinte podem esquecer das regras e dos dogmas criados pelo mundo e se entregarem ao feitiço e pureza do seu ritmo. Essa conotação de liberdade e inquietação não é por acaso. O jazz foi considerado profano quando apareceu no final do século XIX e início do século XX, no sul dos Estados Unidos, principalmente na cidade de Nova Orleans. Os negros norte-americanos, que eram discriminados e tratados pior que escravos, foram os porta-vozes do jazz. Não importava se era cantado ou tocado, o que este ritmo proporcionou a eles foi além do patriotismo ou da religião. Eles fizeram do jazz a sua identidade, que é respeitada e admirada até hoje em todo o mundo.

Pode-se dizer que o ragtime foi o embrião do jazz. A fusão entre a música vinda da África, por meio dos escravos que trabalhavam nas plantações de fumo e algodão, e os ritmos europeus como polca, música erudita e a marcha deu origem ao ragtime, que teve como principais expoentes os pianistas Tom Turpin, James Scott e, principalmente, Scott Joplin, autor do clássico “The Entertainer”.

Oficialmente, a primeira gravação de jazz aconteceu em 1917, com a original Dixieland Jazz Band, um conjunto formado por músicos brancos de Chicago. Mas foi a partir do pianista Jelly Roll Morton e da cantora Bessie Smith que o jazz começou sua verdadeira viagem. Seu primeiro grande expoente foi Louis Armstrong, que era trompetista da banda Creole Jazz Band, liderada por Joe King Oliver.

Entre 1925 e 1928, após deixar Oliver, Armstrong entrou definitivamente para a história do jazz ao gravar com os grupos Hot Five e Hot Seven clássicos como “Yes I’m In The Barrel” e “Potato Head Blues”. Considerado o primeiro grande solista do jazz, Armstrong também foi um cantor carismático e com um estilo muito próprio de interpretar.

Duke Ellington é considerado o Mozart do jazz. Seus arranjos sofisticados e sua orquestra de virtuosos foram as novidades, no meio dos anos 30, que regeram a era do swing. Junto a Ellington, outros band leaders fizeram história como Benny Goodman, Jimmy Dorsey, Artie Shaw, Woody Herman, Count Basie e Glenn Miller.

No meio dos anos 40, uma revolução acontece no jazz. Nasce o bebop. Esse estilo tem como característica principal a vocalização do instrumento. Os solos pareciam frases cantadas. Muitas vezes conseguiam ser desorientadas e magistrais ao mesmo tempo. Seus precursores foram o saxofonista Charlie “Bird” Parker , o trompetista Dizzy Gillespie e o pianista Thelonius Monk. Nessa época, os croones e cantoras ajudaram a reerguer as big-bands, que estavam em franco declínio. Intérpretes como Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e Frank Sinatra levavam milhares de fãs aos teatros para ouvirem obras de Ellington, Cole Porter e dos irmãos Gershwin.

Quanto tudo parecia calmo, um trompetista discreto aparece, era Miles Davis. Junto a outro gênio, o saxofonista John Coltrane, Davis cria o que ficou rotulado de cool jazz, algo mais tranqüilo e requintado que o bebop. Já no início do anos 60, uma nova revolução acontece, o free jazz aparece capitaneado por Ornette Coleman. O estilo gera amor e ódio. Como o nome diz, o jazz era tocado sem fronteiras e regras. As músicas tinham arranjos e escalas completamente insanos.

Durante o início dos anos 70, Miles Davis volta à cena e começa um casamento com o rock, criando o jazz fusion. Aa seu lado, outros expoentes como o pianista Chick Corea e o guitarrista John Mclaughlin, à frente da Mahavishnu Orchestra, “subvertem” o jazz e conseguem atrair novos ouvintes.

No início dos anos 80, um movimento denominado Young Lions (jovens leões) trouxe uma nova vida ao jazz. Liderado pelo trompetista Wynton Marsalis, jovens músicos recém-saídos das escolas foram responsáveis pela retomada do jazz tradicional. Mesmo com uma qualidade musical indiscutível, Marsalis e sua turma – Terence Blanchard, Branford Marsalis, James Carter, Marcus Roberts e Joshua Redman - foram acusados por vários críticos por serem responsáveis pela pouca inventividade do jazz atual.

Apenas no fim dos anos 80 é que uma nova influência é somada ao jazz. Mais uma vez cabe a Miles Davis ser o precursor. Com o lançamento do disco póstumo Doo-bop, o trompetista criou o que mais tarde foi chamado de acid jazz. A mistura de jazz, rap e dance é um estilo que “ajuda” o jazz a se renovar e ficar mais acessível. Dentro desta vertente destacam-se os grupos ingleses Incognito, Jamiroquai, Brand New Heavies e US3 e os norte-americanos do Count Basic, James Taylor Quartet e Brooklyn Funk Essentials.

Assim como aconteceu ao logo do século XX, o jazz continuou sua mutação no início deste século. Uma nova geração de cabeça aberta para experimentações tem adicionado elementos do rap, rock, erudito e música eletrônica ao jazz. Para os críticos, músicos como Brad Mehldau, Erik Truffaz, Greg Osby, The Bad Plus, Dave Douglas e Jason Moran estão revigorando o jazz e criando uma nova e longa jornada para ser percorrida nos próximos anos.

Ao mesmo tempo em que Mehldau e companhia mostram que ainda há um infinito ilimitado para o jazz, um outro grupo de músicos cria o que foi rotulado de nu jazz ou electro-jazz, que traz a mistura entre o ritmo e música eletrônica. Similar ao acid jazz, o novo gênero se aproveita de toda a tecnologia atual para injetar vida nova ao jazz. Entre seus expoentes estão os franceses Metropolitan Jazz Affair, Rubin Steiner e St. Germain e os ingleses Cinematic Orchestra e Matthew Herbert.

Correndo por fora de todo esse movimento está o smooth jazz, que é um fusion mais acessível. Para os puristas, esse tipo de jazz é um desrespeito à música secular. O jazz suave é realmente menos atraente aos ouvidos, mas conquistou seu espaço por duas razões. A primeira porque é uma música de qualidade e depois porque os músicos que as interpretam são competentes. Quase todos já trabalharam com nomes do chamado alto escalão do jazz. No jazz contemporâneo, ele também é conhecido assim, o destaque fica para os pianistas Dave Grusin, Bob James e David Benoit, os guitarristas Lee Ritenour, Larry Carlton e Russ Freeman, os violonistas Earl Klugh e Peter White e os saxofonistas David Sanborn, Boney James e Kenny G.

Para terminar, é importante salientar a presença dos jazzistas europeus no desenvolvimento deste ritmo nas últimas cinco décadas. Apesar de ter nascido nos Estados Unidos, o jazz está presente no velho continente. Não apenas por causa dos grandes festivais que acontecem anualmente por lá, como o Montreux (Suíça), o North Sea (Holanda) e o Umbria (Itália), mas também por músicos formidáveis que escreveram ou escrevem seus nomes na história do jazz como o arranjador e compositor alemão Claus Ogerman, o baixista dinamarquês Niels-Henning Pederson, o violinista francês Stephanne Grapelli, o guitarrista belga Django Reinhardt, o tecladista austríaco Joe Zawinul, o trompetista polonês Tomasz Stanki e os “novatos” Paulo Fresu (Itália), Erik Truffaz (França), Jamie Cullum (Inglaterra), Jacky Terrasson (Alemanha), Courtney Pine (Inglaterra) e o trio E.S.T (Suécia).