terça-feira, 12 de novembro de 2019

Connick Jr. se rende a Cole Porter

Não é preciso datas comemorativas e outras artimanhas de marketing para lançar um disco em tributo a Cole Porter. O compositor norte-americano morreu na década de 1960, mas seu legado será eterno ao lado de outros gênios como Beethoven, Bach, Gershwin, Mozart e Duke Ellington.

Mas a pergunta que fica é: você compraria mais um disco para ouvir as mesmas canções que já escutou centenas de vezes com dezenas de intérpretes?

Antes de responder, dê uma chance ao novo disco do cantor Harry Connick Jr., chamado True Love: A Celebration of Cole Porter. As 13 faixas do álbum já podem ser ouvidas de graça no canal oficial do cantor no Youtube, sem precisar estar logado a nada e lembrar desta ou daquela senha. O ex-futuro Frank Sinatra, pelo menos era isso o que se imaginava quando Connick apareceu no fim da década de 1980, tem hoje 52 anos e uma carreira sólida como arranjador, cantor, pianista, compositor, ator e apresentador.

No decorrer de sua longa carreira, Connick sempre preservou suas raízes de Nova Orleans, cidade onde ele nasceu. Mas isso não o obrigou a ficar restrito a este universo, o que o levou a trilhar o caminho natural de um cantor de jazz, ou seja, gravar os grandes standards da música norte-americana. Mas, diferentemente de outros intérpretes, além de ser um belíssimo músico, Connick não caiu na armadilha de fazer discos temáticos, com exceção de discos natalinos, muito populares na terra do Tio Sam. Connick sempre flertou com a música pop, mas sempre manteve um pé no jazz. A exceção foi sua incursão pela Broadway, mas isso apenas mostrou o quanto sua inquietação musical o mantém ávido por criar e se envolver em distintos projetos.


Após duas décadas, o cantor volta a gravar com uma big band

Depois de 35 anos de carreira, finalmente, o cantor se rendeu ao apelo de gravar um songbook completo com obras de Cole Porter. O resultado, obviamente, foi um tiro certeiro. Além das famosas composições de Porter, o disco traz o cantor em ótima forma, cantando e tocando, e, em especial, os arranjos. Felizmente, Connick escolheu fazer um disco com arranjos criados para big band, o que deixou a música de Porter ainda mais vigorosa e atraente. Ao mesmo tempo, não deixou de fora as cordas e aquela atmosfera que lembra as orquestras de Nelson Riddle e Don Costa, mas sem deixar o meloso.

Para os fãs do cantor, poder ouvi-lo novamente acompanhado de uma big band é um alívio e uma deliciosa surpresa após tantos anos longe dos metais. No repertório, "Just One of Those Things", "In the Still of the Night", "Begin the Beguine", "All of You", "Anything Goes", "I Love Paris", entre outras. Além na onipresença da voz do cantor, que também fez a regência da orquestra durante as gravações, o disco abre espaço para belos solos de clarinete e trompete, em "I Love Paris", e de piano, na versão instrumental de "Begin the Beguine".

Em uma obra tão vasta, obviamente, grandes clássicos de Porter ficaram de fora, entre eles, "Night and Day", "I've Got You Under My Skin", "Every Time We Say Goodbye" e "Love for Sale". Isso, é claro, não compromete o belíssimo trabalho do cantor, por outro lado, em tempos de ouvir música em streaming e todas as plataformas de músicas digitais com milhões de músicas a um toque de distância, fica uma pergunta no ar: Por que continuar a lançar discos e, ainda por cima, com menos de 60 minutos de duração, em um formato que oferece a possibilidade de incluir 79 minutos de música?

O velho Connick Jr. poderia ter sido um pouco mais solidário com seu velho camarada CD, que definha cada vez mais e, em breve, será mais um item de colecionadores compulsivos ávidos pelo disquinho digital que reinou por quase duas décadas, lá no longínquo século XX. Que mancada, Harry.







quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Barron e Miller duelam em The Art of Piano

O encontro de dois gigantes do jazz sempre termina em coisa boa. A história está cheia de exemplos que comprovam isso. Basta lembrar da parceria Charlie Parker & Dizzy Gillespie, John Coltrane & Miles Davis, Ella Fitzgerald & Joe Pass e Herbie Hancock & Wayne Shorter.

Todos esses encontros aconteceram com instrumentos distintos, mas também temos belos discos de parcerias com instrumentos iguais, entre eles, os saxofonistas Coleman Hawkins & Lester Young, Lee Konitz & Warne Marsh, Eric Alexander & Vicent Herring, os guitarristas John Scofield & Pat Metheny e os pianistas Herbie Hancock & Chick Corea.

De olho nessa riquíssima história, a gravadora Sunnyside Records lança o álbum triplo The Art of Piano Duo - Live, com os pianistas Kenny Barron & Mulgrew Miller. Os discos trazem três shows distintos. Um gravado em 2005, em Marciac, na França, e dois registrados na Suíça, ambos em 2011, nas cidade de Genebra e Zurique. Sozinhos no palco, os dois pianistas mostram a fina arte do improviso. Em entrevista para divulgar o disco, Barron comentou como funciona a parceria com Miller.

"Nós nunca conversamos sobre a música. Nós nos sentávamos e determinávamos quem iria começar e pronto. Se eu soubesse [a música], apenas acenaria com a cabeça. Se eu não soubesse, balançaria a cabeça e ele tentaria outra. Nós apenas deixamos isso acontecer. Isso foi divertido, imaginando para onde poderíamos ir. Na maioria das vezes funcionava".

Com um repertório eclético, que passa por Benny Carter ("When Lights Are Low"), Rogers & Hart ("It Never Entered My Mind"), Jimmy Van Heusen ("It Could Happen To You"), Charlie Parker ("Yardbird Suite"), Duke Ellington ("I Got It Bad And That Ain't Good") e Thelonious Monk ("Blue Monk"), os experientes pianistas mostram a fina arte do improviso e muito entrosamento.

Mas para o ouvinte menos "treinado", em alguns momentos, o disco vai parecer um pouco confuso. É claro que os solos e improvisos estão garantidos, por outro lado, o excesso de notas poderá distrair o ouvinte e tornar a audição menos prazerosa. Mas nada que comprometa a essência do disco, com dois mestres do instrumento. O disco também traz, além dos duetos, temas solos, entre eles, "Song For Abdullah", com Barron, e "I Got It Bad And That Ain't Good", com Miller.

Miller faleceu em 2013, aos 57 anos, vítima de um derrame cerebral. Durante sua carreira, tocou com a orquestra de Duke Ellington, comandada por Mercer Ellington, filho de Duke, a cantora Betty Carter), o trompetista Woody Shaw e o baterista Art Blakey. Conheça também os discos Live at Yoshi Volume 1 e 2, com Miller acompanhado por Karriem Riggins (bateria) e Derrick Hodge (baixo), gravado ao vivo no clube californiano em 2003.



sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Bobby Scott - Slowly

Por 14 anos o Guia de Jazz esteve no ar com a missão de aproximar os internautas ao jazz. Um dos tópicos mais visitados era o de dicas de CDs, no qual dezenas de discos eram indicados e resenhados por mim.

Infelizmente, com o fim do site em setembro de 2015, todo esse acervo foi "perdido". Mas não totalmente perdido.

Além do livro Jazz ao Seu Alcance, que traz todo o conteúdo do guia, com dicas de CDs, DVDs, livros, entrevistas e muito mais, você encontrará quinzenalmente neste blog algumas dicas de CDs publicadas anteriormente no site Guia de Jazz.

Sempre que possível, ao final de cada resenha você encontrará vídeos do Youtube com algumas faixas do disco indicado para escutar. Boa leitura e audição. Veja outras dicas de CDs aqui

Bobby Scott - Slowly (1991)


Não adianta tentar fazer tudo ao mesmo tempo agora. A vida é curta e sabemos disso. Por mais que você dure 80 ou 90 anos, não há tempo suficiente para experimentar e descobrir tudo aquilo que a vida pode proporcionar. Na era da informação, que vai muito além do rádio, jornal, TV e livros, está situação piorou ainda mais e o ser humano percebeu que uma única vida é pouca.

É claro que não devemos encarar isto como um problema, pelo contrário, esta limitação natural da vida deve ser usada ao nosso favor, ou seja, como há pouco tempo devemos filtrar e selecionar da melhor maneira possível o que o cinema, teatro, literatura, TV e música têm a oferecer. Em resumo, seja criterioso.

Para ilustrar isto, vamos falar do pianista, compositor, cantor, produtor e arranjador norte-americano Bobby Scott, que morreu aos 63 anos, vítima de câncer, em 1990. A questão aqui não é porque Scott morreu prematuramente, o que não deixa de ser verdade, mas sim porque provavelmente 99% das pessoas vão passar por esta vida – um tanto curta sem ao menos escutar o voz aveludada e o toque preciso do piano deste grande músico.

Scott começou muito jovem e aos 11 anos já era profissional. Tocou com músicos de respeito como Louis Prima, Tony Scott e Gene Krupa. Com o musical A Taste Of Honey, ele levou um Grammy em 1962 e produziu artistas como Marvin Gaye e Aretha Franklin. Já no fim da vida, Scott voltou a gravar como líder e lançou dois discos For Sentimental Reasons e Slowly, álbum lançado após sua morte.

Apesar de póstumo, Slowly não é um disco triste, talvez melancólico, mas não soturno ou triste. A voz de Scott já não tem a mesma força, mas continua macia e afinada. Isto fica claro na faixa-título e em “Long About Now”, acompanhada apenas do piano, que brilha solo também em “This Is My Country” e na clássica “When I Fall In Love”.

Além de Scott, o disco traz o baixista Steve LaSpina, o baterista Paul Jost e os guitarristas Bucky Pizzarelli e Vinnie Bell. O quarteto aparece na insinuante “You Turned the Tables On Me”, na suingada “Hi Lily Hi Lo”, na deliciosa “Am I Blue” e em “Music Maestro Please”, com um solo arrasador de Scott.

A última dica, que não é de um CD, é que o tempo passa para todos nós. Não se preocupe com isto, apenas viva da melhor maneira possível e aproveite ao máximo o que a vida tem para lhe oferecer. Vida longa e próspera para todos nós e que Bobby Scott descanse em paz.